O plano da Câmara para perdoar 543 bilhões que empresários devem à União
Cifra proposta no Refis, que renegocia débitos, é duas vezes maior que orçamento de São Paulo. Medida Provisória do tema deve ser votada nesta semana na Câmara em pleno "apagão fiscal"
Para receber 500 milhões de reais no curto prazo, o Governo Michel Temer (PMDB) pode abrir mão de arrecadar até 543,3 bilhões de reais em um período de três anos. Assim é o programa de refinanciamento de dívidas com a União, batizado de Novo Refis, que deve ser votado nessa semana na Câmara dos Deputados. Apenas para efeito de comparação, o valor que deverá deixar de entrar nos cofres da União é 2,6 vezes maior do que o orçamento anual de São Paulo, o Estado mais rico do país.
Desde que foi enviada ao Congresso, em maio deste ano, a medida provisória 783, a MP do Novo Refis, já enfrentava oposição interna. A Receita Federal e a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional emitiram notas técnicas nas quais concluíram que liberar o refinanciamento de dívidas de empresas e pessoas físicas da forma como estava fazendo era prejudicial às contas públicas. Inicialmente, a estimativa de perda de receita era de 63,8 bilhões de reais nos próximos três anos.
Depois de receber cerca de 300 emendas parlamentares, os deputados conseguiram desfigurar ainda mais a proposta malfadada. Consecutivamente, diminui de maneira estratosférica a estimativa de valor a ser arrecadado no curto prazo. A previsão inicial era de 13 bilhões de reais nos cofres da União nos próximos anos. Agora, é de 500 milhões de reais. Os dados referentes à renúncia fiscal constam das notas técnicas de números seis e sete de 2017 emitidas em conjunto pela Receita Federal e pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.
A MP do Governo Temer previa que os devedores da União teriam direito a descontos de 25% a 90% de multas e juros. Após tramitar em uma comissão mista que tratou do tema na Câmara dos Deputados, os descontos saltaram para entre 85% a 99% e autorizaram que essa benesse fosse concedida também com relação aos encargos legais e honorários advocatícios. Estes dois últimos itens não tinham desconto nas dívidas. Depois de todas as modificações, a Receita e a Procuradoria da Fazenda emitiram as duas notas técnicas nas quais apontaram o tamanho do rombo e concluíram que, em caso de aprovação da proposta, haveria um “elevado grau de comprometimento das finanças públicas do ano corrente e dos subsequentes, afrontando os ditames de uma gestão fiscal responsável”.
Balcão de negociações
A dificuldade da gestão peemedebista vai ser de reescrever o texto da MP e convencer os deputados de que ele precisa ser modificado. Isso porque, quando enviou a proposta ao Congresso, o Governo vivia um momento de intensa fragilidade política. Muito do apoio dado a Temer, que conseguiu barrar o andamento de uma denúncia de crime de corrupção passiva contra ele na semana retrasada, foi dado após o envio da proposta do Novo Refis.
A estratégia de perdoar parte das dívidas das grandes empresas não é algo novo, no cenário político brasileiro. Os governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT) também usaram do mesmo expediente de Temer. A prática é sempre criticada por especialistas. A diferença, desta vez, é que a proposta de benefícios aos grandes empresários ocorre no momento em que o país ainda vive uma de suas maiores crises econômicas das últimas décadas e serviços ameaçam parar por causa do apagão fiscal. A equipe econômica está prestes a anunciar o aumento do rombo fiscal permitido para 2017 dos atuais de 139 bilhões para cerca de 20 bilhões a mais. “A cultura de parcelamento especial, traz um grande prejuízo ao Brasil. O bom contribuinte é tratado como bobo da corte e não tem nenhum benefício em pagar em dia seus impostos”, afirmou o diretor da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco), Mauro Silva. Segundo ele, os Refis são uma solução falsa. “É a alegria que vem rápida como a alegria de uma droga. Mas, como a droga, o Refis vicia e faz mal”, disse.
Em fevereiro deste ano a associação já havia emitido uma nota técnica na qual criticava o excesso de programas de refinanciamento de dívidas elaborados por governos, sejam eles municipais, estaduais ou federal.
Bonde da JBS
Se não bastasse a barganha que pode ser ofertada aos grandes empresários, a gestão Temer ainda elaborou uma nova medida provisória, específica para os grandes devedores que atuam no ramo do agronegócio. A MP 793, que cria o Programa de Regularização Tributária Rural, pode beneficiar nove dos cem maiores devedores da Previdência. Entre eles, está a gigante do ramo alimentício JBS, a empresa controlada pelos irmãos Joesley e Wesley Batista que acabou envolvendo Temer na trama criminal que ainda pode lhe render o mandato.
Conforme cálculos da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, juntas, essas nove empresas devem 5,5 bilhões de reais à Previdência. As maiores dívidas são da JBS, 2,3 bilhões de reais, e da Marfrig, 1,1 bilhão de reais. A diferença básica entre as duas medidas provisórias é de que a 783, do Novo Refis, proíbe a adesão de pessoas (física ou jurídica) envolvidas em crimes como conluio e fraude. Enquanto que a 793, a específica para o ramo rural, não faz a diferenciação. Essa MP ainda não tem data para ser votada.
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