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Coluna
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Se a gente falasse menos...

Luiz Melodia dá a letra e o mantra que nos servem no comportamento nas redes sociais

Show de Luiz Melodia na Virada Cultural de 2014
Show de Luiz Melodia na Virada Cultural de 2014Nelson Antoine (MILENAR IMAGEM)

Em uma das suas maravilhas contemporâneas, a música “Congênito”, Luiz Melodia nos deixou, em dois versos, uma sabedoria que serve como um manual de boa convivência nas redes sociais e fora delas: “Se a gente falasse menos/ Talvez compreendesse mais”.

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Sim, o puro conteúdo é consideração. Valeu pelo mote desta crônica, caro colega Mauro Cezar Pereira, vamos nessa. Quem se habilita a seguir a etiqueta zen-budista do negro gato do morro do Estácio? Difícil. Este modesto tuiteiro das galáxias que o diga. De post em post, a poeira da incompreensão a tudo encobre. E de nada adianta apagar o escrito ou simplesmente assumir que mudou de ideia, sempre aparece um vigilante do print, vixe!, e entre o dito e não-dito, o eterno retorno do bafo refaz o estrago e a polêmica.

No amor sob suspeita, entonce, nem se fala. Quanto mais salivamos os perdigotos das falsas promessas, menos entendimento sob o mesmo teto. Quanto mais parnasianos, ora direis, seu Bilac, menos estrelas a furar nosso zinco. Em uma D.R., a maldita discussão de relacionamento, vale também o mantra do Melodia, vale a economia poética, a fala pouca, a prosa enxuta para não complicar a história. Vale mais ainda um ensinamento das antigas: cala a boca e transa, como recomendaria o velho Reich (1897-1957), psicanalista austríaco do orgasmo para as massas.

Na oficina da escrita, idem, só trocamos Melodia e Reich pelas lavadeiras nordestinas, com o auxílio das vidas secas de Graciliano Ramos:

"Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes.

Depois enxaguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota.

Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer."

Se a gente falasse menos, meu querido cabra do Estácio, talvez praticasse mais, muito mais, tenho dito por elipses. Talvez o Temer, quem sabe, não estivesse comemorando tanto à nossa própria custa. Se a gente falasse menos, talvez vingasse mais ação direta.

Rapaz, agora quem me alerta é o amigo Mário Magalhães, o craque da biografia do Marighella, repare só a trinca de ases dos caras do morro do Estácio: Luiz Melodia, Carlos Lamarca e Gonzaguinha. Sem se falar na penca de tantos outros geniais compositores desta abençoada geografia carioca.

Se alguém quer matar-me de amor, quem me mate em qualquer beco do GPS afetivo, afinal este é o melhor acerto de contas para um mundo tão barulhento, um mundo de tanto twitter por nada, tanto piado por coisa alguma. Nada como um post atrás do outro e um silêncio respeitoso no meio. Se a gente postasse menos...

Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de “A pátria em sandálias da humildade” (Realejo Livros & edições, 2017). Comentarista dos programas “Papo de Segunda” (GNT) e “Redação Sportv”.

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