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Missouri, o Estado americano que é um destino de risco para os negros

Motivada por racismo na região, organização afro-americana divulga aviso proibitivo para viagens

Michael Brown Sr., o pai do jovem assassinado em Ferguson
Michael Brown Sr., o pai do jovem assassinado em FergusonScott Olson (Getty Images)

O Departamento de Estado frequentemente faz recomendações de viagem. Aconselha aos cidadãos norte-americanos máxima precaução por motivos de segurança em relação a determinados países. Mas agora pela primeira vez foi emitido um aviso de viagem para uma parte dos Estados Unidos. Não foi feito pela diplomacia norte-americana, mas pela Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor (NAACP, na sigla em inglês), a principal organização de defesa dos afro-americanos. O lugar é o Estado do Missouri, no Meio Oeste do país, epicentro nos últimos anos da crônica tensão racial nos EUA.

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É a primeira vez, desde a sua fundação em 1909, que a NAACP emite um aviso desse tipo. Em junho foi aprovado pela filial da associação no Missouri e na semana passada foi validado na reunião nacional da organização.

A mensagem é ao mesmo tempo clara e alarmante: se você é negro, tenha cuidado no Missouri. “Recomendamos aos indivíduos que viajarem ao Estado que tenham máxima precaução. A raça, o gênero e os crimes baseados na cor têm uma longa história no Missouri”, diz o aviso. “O Missouri fomenta as disparidades raciais e étnicas em educação, saúde, economia, distribuição de poder e justiça criminal”, acrescenta.

A medida parece eludir o fato de que 11,8% dos seis milhões de habitantes do Estado são afro-americanos. O Missouri, como muitas outras regiões do país, carrega um passado e um presente problemáticos na discriminação à população negra. A NAACP justifica sua decisão em vários incidentes no Estado nos últimos anos e na recente aprovação de uma lei que dificulta a denúncia em casos de discriminação por classe, raça e gênero.

O alerta de viagem expira em 28 de agosto, quando entra em vigor a lei, conhecida como SB 43, no que é interpretado como um gesto ao governador, o republicano Eric Greitens, enquanto a lei é revisada. Um de seus incentivadores é um senador republicano dono de uma empresa denunciada por discriminação racial.

Os defensores argumentam que a lei visa a equiparação com outros Estados, reduzir litígios e melhorar o clima empresarial. Os críticos alegam que a norma enterraria as proteções de direitos civis criadas nas últimas décadas por motivos de etnia, sexo, origem, religião, idade e incapacidade. De acordo com a NAACP, “impede os indivíduos de se protegerem de discriminação, assédio e represália”.

O Missouri não foi um Estado vital na longa luta da população negra nos EUA para equiparar seus direitos aos dos brancos. Durante a Guerra Civil, no século XIX, o Estado se manteve dividido entre a União, que defendia o fim da escravidão, e os Estados sulistas da confederação, que pretendiam preservá-la. Mesmo quando a discriminação continuava blindada pela lei, o Missouri também não teve o papel primordial de locais como o Alabama e o Mississipi nos anos sessenta do século passado nos protestos que derrubaram a segregação legal dos negros.

Mas nos últimos anos é difícil pensar em um Estado que simbolize melhor as tensões raciais e a continuação das desigualdades. Foi em Ferguson, um subúrbio de Saint Louis, onde, em agosto de 2014, explodiu de novo o debate sobre o tratamento da polícia com os afro-americanos. A morte, em circunstâncias confusas, de Michael Brown, um jovem negro desarmado, por um agente branco causou um debate nacional sobre o gatilho fácil da polícia e o sentimento de alienação e injustiça de muitos afro-americanos. Mortes semelhantes e a exoneração dos agentes em outras partes dos EUA mantiveram vivo o debate.

A morte de Brown revelou um padrão de racismo institucional em Ferguson e em outras partes do Estado. Um relatório feito em 2016 pelo promotor geral do Missouri revelou que os motoristas negros eram parados pela polícia 75% a mais do que os brancos.

“É algo simplesmente inadmissível em uma sociedade progressista”, disse o presidente interino da NAACP, Derrick Johnson, ao anunciar a recomendação de viagem, que alerta sobre possíveis prisões e buscas policiais injustificadas. “Demonstramos o alerta e a preocupação de que os indivíduos negros em rodovias, estradas e lugares de interesse possam não se sentir seguros”.

As palavras evocam a história dos chamados freedom riders (viajantes da liberdade), os brancos e negros que no começo dos anos sessenta viajaram em ônibus ao sul dos EUA para denunciar a proibição de que os afro-americanos pudessem subir em determinadas rotas de transporte dentro dos Estados.

Existem outros exemplos que motivaram a decisão da NAACP. Os protestos em 2015 na Universidade do Missouri, em Columbia, de estudantes negros após vários incidentes racistas que foram tolerados pela diretoria universitária. Assim como a morte em fevereiro de dois indianos em Kansas City por disparos de um branco que achou que eram muçulmanos. E o caso de um jovem negro com deficiência mental que morreu em março em uma prisão da zona rural após receber três disparos de uma pistola elétrica

Discriminação positiva, em debate

AMANDA MARS

Os programas de discriminação positiva dos Estados Unidos no acesso à universidade, ou seja, as práticas que favorecem a entrada das minorias raciais, foram questionados.

O Departamento de Justiça decidiu iniciar uma investigação para esclarecer se tais políticas são uma discriminação contra a população branca e asiática, de acordo com matéria do The New York Times nessa semana, citando uma oferta de emprego para pesquisadores. O Governo afirma que procura um profissional para essa questão pela denúncia em 2015 por parte de 64 associações asiático-americanas, que alegam que o atual sistema significa uma discriminação contra sua raça.

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