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Chavistas instalam Assembleia Constituinte que anula Parlamento venezuelano

Paralelamente, Procuradoria venezuelana pede que os tribunais anulem a Constituinte por fraude eleitoral

Quadros de Simon Bolivar e Hugo Chavez
Quadros de Simon Bolivar e Hugo ChavezCARLOS GARCIA RAWLINS (REUTERS)

Com a transferência de dois imensos retratos – um com a imagem oficial do Libertador Simón Bolívar e o outro, com a do “comandante eterno”, Hugo Chávez –, o chavismo quis simbolizar o desejo de restauração e revanche que inspira a instalação da Assembleia Nacional Constituinte, convocada pelo presidente Nicolás Maduro e inaugurada nesta sexta-feira à tarde em Caracas.

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"Voltou, voltou", entoavam os mais de 500 deputados chavistas enquanto atravessavam a entrada principal do Palácio Federal Legislativo. Chegavam caminhando desde a Praça Bolívar, nas imediações, carregando as duas imagens com a devoção que se dedica às relíquias. Ambas estavam em destaque no plenário da Assembleia Nacional que a Revolução controlou de maneira absoluta durante uma década, mas foram removidas dali quando em janeiro de 2016 teve início uma nova legislatura, de maioria oposicionista.

Sem encontrar resistência, os membros da Constituinte, leais ao governo, levaram os quadros da sede cerimonial do Parlamento para o Salão Elíptico, em pleno centro histórico da capital venezuelana. Já haviam despejado desse espaço os deputados da Assembleia Nacional, ausentes. Mas chegam também com a missão explícita de dissolver esse poder, despojar seus adversários de seu foro de imunidade e pôr alguns deles na prisão. Para levar isso adiante, alguns dos membros da Constituinte contam apenas com um mandato de 1.000 votos, como ocorreu com os representantes do chamado setor empresarial, conforme se revelou na véspera.

A ex-chanceler Delcy Rodríguez foi escolhida presidenta da Constituinte, acompanhada na direção pelos ex-vice-presidentes da República nas gestões de Hugo Chávez, Aristóbulo Istúriz e Isaías Rodríguez. A ex-ministra de Relações Exteriores, irmã do influente prefeito do Município Libertador de Caracas, Jorge Rodríguez, aliado próximo do presidente Maduro, surgiu como nome de consenso para um cargo ao qual aspiravam a esposa de Maduro, Cilia Flores, e o número dois do chavismo, Diosdado Cabello.

Delcy Rodríguez tomou o juramento dos demais colegas. Na cerimônia não estavam ocupados todos os 545 assentos do corpo deliberativo. No dia anterior, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e os governistas concordaram em repetir as eleições em dois municípios da região de Los Andes, o que compromete sete cadeiras.

“Os senhores juram defender-nos das agressões imperialistas, da direita traidora?”, perguntou retoricamente Rodríguez aos deputados. Um pouco mais tarde, em seu discurso inicial, a presidenta da Constituinte pediu a seus colegas que agradecessem ao responsável pela convocação, Nicolás Maduro, que hoje se tornou gigante”. Maduro não compareceu ao evento, em um gesto para representar a soberania e a independência da nova Assembleia em relação aos poderes constituídos.

“Viemos aqui não para destruir nossa Constituição, mas para eliminar todos os obstáculos que têm impedido de materializar alguns de seus avanços”, afirmou Rodríguez. Com isso não só ratifica o objetivo de arrasar a resistência, o motivo deste processo, mas, sobretudo, responde às críticas de setores dissidentes do chavismo que mantiveram distância pública da Constituinte, por considerarem que se pretende aniquilar a Constituição “original” de Chávez – a vigente, datada de 1999 – para perpetuar Maduro e seus aliados no poder.

Rodríguez advertiu também a oposição de que “esta Constituinte chegou para fazer justiça”, observando que seus líderes arcarão com as consequências “se não se decidem a fazer ação política”. Disse que a partir deste sábado começarão a tomar medidas: “Não se surpreendam porque o poder Constituinte já chegou”. A primeira sessão regular terá início às dez da manhã deste sábado.

De madrugada, agentes da Guarda Nacional tinham forçado a entrada no Salão Elíptico para tomá-lo logo cedo e evitar que os deputados oposicionistas da Assembleia Nacional (AN) criassem obstáculos à cerimônia. Trata-se do lugar protocolar onde repousa a ata original da independência, subscrita em 1811. Mas a incursão foi desnecessária. Por um lado, o diretor de protocolo da Assembleia Nacional tinha dito um dia antes que colaboraria com a instalação da Constituinte. Por outro, os parlamentares afinados com a aliança opositora, a Mesa da Unidade Democrática (MUD), preferiram integrar-se à marcha de protesto convocada desde cedo e que tentava alcançar, de vários pontos do leste de Caracas, a sede da Assembleia Nacional.

No momento de redigir este artigo, a passeata acabava de começar. As forças de segurança na Venezuela começaram a dispersar com gás lacrimogêneo os manifestantes que se dirigiam ao Palácio legislativo em Caracas.

Com a instalação da Constituinte, o chavismo desconsiderou as objeções de boa parte da comunidade internacional e uma exortação de última hora chegada do Vaticano, na qual se pedia a suspensão da entrada em vigor de um mecanismo que vem complicar ainda mais a crise política da Venezuela.

Supremo opositor escolhe o exílio

A Embaixada do Chile na Venezuela informou na sexta-feira que recebeu em sua sede em Caracas um sexto juiz, membro do Supremo Tribunal de Judicia “paralelo” que a Assembleia Nacional de maioria opositora nomeou há duas semanas. É o advogado Luis Marcano Salazar, que, como outros cinco colegas, se refugiou na embaixada do Chile em busca de asilo político.

O ministro das Relações Exteriores Heraldo Muñoz confirmou a informação em Santiago. “O Governo do Chile vai agir sobre esta matéria, de acordo com os princípios jurídicos e humanitários que inspiram sua política externa”, limitou-se a dizer o ministro.

Ao mesmo tempo, o Governo do Panamá anunciou que concedeu asilo político aos juízes Gustavo Sosa Aguirre e Manuel Espinoza Melet. Em um comunicado, o Ministério das Relações Exteriores do Panamá reconheceu que ambos os juristas pediram proteção quando entraram, “há vários dias” na residência e missão diplomática desse país em Caracas.

O Parlamento, de maioria oposicionista, nomeou no dia 21 de julho 33 juízes para substituir os juízes nomeados ilegalmente – de acordo com o novo legislativo – pela Assembleia Nacional chavista em dezembro de 2015.

A designação não foi reconhecida nem pelo Governo de Nicolás Maduro nem pelo Supremo em funções, leal ao partido no poder, que prometeu punir os recém-nomeados.

Um juiz, Ángel Zerpa Aponte, já está na prisão. Além dos outros seis refugiados na Embaixada do Chile, o juiz da Sala Penal Alejandro Rebolledo foi para o exílio nos Estados Unidos.

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