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Coluna
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Rumo à tempestade

Espanha não soube ou não quis gerir a crise política com a Catalunha como uma questão de primeira ordem

Ato em Barcelona no dia 11 de junho
Ato em Barcelona no dia 11 de junhoALBERT GARCIA

O primeiro volume das memórias de Winston Churchill sobre a Segunda Guerra Mundial, A Aproximação da Tempestade, é uma crônica que relata as circunstâncias que conduziram o mundo à tempestade que se desencadeou em 1939. Todos sabiam que a guerra era iminente. Somente alguns governantes, como o primeiro-ministro britânico Neville Chamberlain, acreditaram que a razão se imporia. Será que o ser humano nunca aprende? Será que as guerras são uma parte da constituição genética e biológica do sangue dos povos? Será que não há nada mais humano que o complexo de avestruz?

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Agora começam as férias e é evidente que vamos rumo à tempestade. Apesar de não ser possível prever com exatidão a força que terá, pode-se alertar, sim, que um tufão devastador está por vir. Um desses tufões, o mais claro, o mais perigoso, e que poderia ter sido evitado, é o catalão.

A Espanha está dividida entre quem pensa que a força da razão e da lei será suficiente e aqueles que esgrimem a arma da vontade e da capacidade de autodeterminação dos povos, embora, no final, a ideia de que não se atreverão a exercê-las se converte em um valor agregado.

A Espanha não soube e não quis administrar o que já é uma crise política de primeira ordem. Os catalães irão para o descanso com o bloqueio do orçamento da Generalitat imposto pelo Governo espanhol com a finalidade de impedir o desvio de recursos para o referendo de 1 de outubro.

No entanto, essa consulta já está em marcha: o levantamento contra a legalidade vigente, antepondo a legalidade catalã à espanhola, já é per si um êxito. A Catalunha está fragmentada e atomizada, e a Espanha, quebrada. E mesmo que se enviem forças de segurança ou se tome a decisão – apesar de parecer piada – de prender o Governo catalão, o dano já está feito.

Além do mais, uma possível saída é muito difícil porque, do ponto de vista democrático, não se pode ignorar a importância de adaptar as leis às necessidades sociais de cada momento.

Em uma democracia, o poder do povo se organiza e tem sua origem no ordenamento da convivência sob a supremacia das leis. No entanto, não se deve esquecer que nenhuma lei em nenhuma democracia está acima da vontade popular. Quando as leis servem para limitar a expressão dos povos e não para ordená-la de maneira civilizada como um ato de participação, e não de imposição, isso deixa de ser uma democracia e se transforma em uma autocracia.

Os grandes momentos que permitiram às sociedades avançar foram gestados contra os ordenamentos jurídicos nos quais se originaram, desde o New Deal de Roosevelt até outros exemplos, como aquele exercício de equilíbrio político que significou a transição da ditadura à democracia, sem romper as leis e convencendo os franquistas da necessidade do suicídio coletivo para que a democracia fosse um produto legal na Espanha.

Mas isso não foi uma revolução, foi uma transição. E, no caso da Catalunha, a transição fracassou e a revolução das formas permanece porque sobrepor a legalidade da Generalitat à da Espanha já é toda uma revolução, sobretudo porque, no final das contas, a legalidade catalã emana da Constituição espanhola.

A Espanha não soube solucionar o problema político. Não basta fechar-se no que as leis permitem fazer, também é necessário saber escutar as demandas. Na minha opinião, a geração que tornou possível a transição viu endurecer sua capacidade de escutar e compreender para dar uma saída política aos problemas que a mudança de século trouxe consigo.

Agora a iniciativa está na improvisação e naquela gente que, diante do império das leis, se atreve em nome da paz a desafiar a ordem para mudar a história. Não se deve esquecer que um dos maiores apóstolos da paz se chamou Gandhi e foi ele que demonstrou que, quando não se tem o poder, mas se acredita, sim, estar com a razão, tudo o que se deve fazer é golpear, golpear, golpear até que o poder cometa um erro que legitime conseguir o impossível.

Voltarei a encontrar-me em setembro com os leitores que me fizerem o favor de me seguir para continuar com este espaço de análise.

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