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A rebelião dos encapuzados cresce na Venezuela

Movimento autoproclamado La Resistencia desponta como uma unidade de choque contra as forças policiais durante os protestos

Estudantes universitários membros La Resistencia, que protesta contra o Governo de Maduro.
Estudantes universitários membros La Resistencia, que protesta contra o Governo de Maduro.FABIOLA FERRERO

Dezenas de estudantes de uma prestigiada universidade de Caracas escolheram escudos, máscaras antigás e capuzes para ir às aulas há alguns dias. Não abriram seus livros nem conversaram com seus professores. Só se reuniram por algumas horas para se organizar antes de sair às ruas em protesto contra o Governo de Nicolás Maduro. “Não abandonamos os estudos, só os alternamos com as manifestações. Não podemos deixar ao país à deriva e nos fecharmos em uma bolha. O Governo tem duas saídas: uma é pela via democrática e outra pela força”, diz C. H., estudante de Ciência Política.

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 Muitos estudantes integram o La Resistencia, um movimento nascido com os protestos contra Maduro, desencadeados em abril depois da tentativa do Governo de tirar os poderes do Parlamento, de maioria opositora, e que continuaram após a convocatória de uma Assembleia Constituinte. O La Resistencia atuou como força de choque contra ataques de militares e policiais. Também fazem parte desse grupo profissionais, operários, ex-militares e desempregados, entre outros cidadãos.

 Qualificados como “guerreiros” por vários opositores e como “terroristas” pelo Governo, os rebeldes cresceram sobre as ruínas da revolução chavista. O movimento nasceu nas passeatas de 2014, mas foi no recente conflito que ganhou protagonismo. Jorman Ortíz, garçom de um restaurante em Caracas, abandonou seus estudos universitários para carregar um escudo na primeira linha de combate. “Cada um pinta alguma coisa em seu escudo. Eu pus uma bandeira da Venezuela no meu, já está queimada e furada pelos ataques da polícia”, diz.

 Poucos se identificam com dirigentes opositores ou alguma corrente política, mas muitos afirmam que seu objetivo é depor Maduro. L. L., estudante de Engenharia Civil, diz que combate aos militares para honrar esse propósito. “Não é uma guerra, porque nós não temos armas letais. Eles disparam balas; nós lançamos pedras. Eles usam equipamentos antimotim; nós, escudos feitos de zinco ou madeira. Nós procuramos proteger a população com nossos escudos; esquivamos ou dispersamos as bombas de gás que eles lançam contra as pessoas”.

 Vários oficiais da Guarda Nacional Bolivariana (GNB, polícia militarizada) foram filmados e fotografados disparando contra manifestantes no dia 19 de junho em Caracas. Um deles assassinou Fabián Urbina, de 17 anos. Mais de cem pessoas morreram durante os protestos, com uma média de quase uma vítima por dia.

 Recentemente, o ministério público, dirigido pela promotora Luisa Ortega Díaz (antiga aliada do chavismo), denunciou o ex-comandante da GNB Antonio Benavides Torres, e o diretor do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin, a polícia política), Gustavo González, por suspeita de violações aos direitos humanos durante as manifestações. Mas as denúncias foram rejeitadas pelo Supremo Tribunal, controlado pelo Governo.

 Os ataques à base aérea militar Francisco de Miranda, conhecida como La Carlota (leste de Caracas), e a instituições do Estado são atribuídos a esses manifestantes. Muitos militantes do La Resistencia acreditam que estão na mira da polícia política. Por isso vários deles têm como regra não ir a hospitais ou clínicas privadas quando são feridos em um protesto. Azul, de 19 anos, extraiu várias balas de chumbo de seu corpo: “O resto continua incrustado. Não vou ao médico porque depois irei para a prisão e será pior”. “Quase nunca nos identificamos porque somos perseguidos. Por isso durmo em casas de conhecidos, em hotéis e na rua. Quando há protestos sempre saio para combater”, conta. Seu perfil é diferente do dos outros estudantes entrevistados. Ele se rebelou dois dias depois do início das manifestações. Em 3 de abril saiu para a rua perto de onde morava, viu seus vizinhos gritarem por causa da repressão da GNB e ateou fogo em um veículo blindado. Desde então não voltou mais para casa, pois afirma que é perseguido pela polícia.

 Ex-militares nas ruas

 Collar (nome fictício) foi soldado da GNB expulso da corporação há dois anos por “mau comportamento”, confessa. “Me mandaram marchar a favor do Governo, mas me recusei e por isso me expulsaram”, diz. Com ele está Russo, de olhos claros e 23 anos, que também afirma ser ex-militar. Os dois dizem estar dispostos a “morrer lutando antes de ser presos”. Diferentemente da parcela formada por estudantes, não descartam a possibilidade de o La Resistencia virar um movimento armado.

 Em seu grupo, de 50 pessoas, muitos estão vestidos com farrapos, compartilham cigarros e têm cicatrizes provocadas por tiros de armas de ar comprimido. Há meninos que supostamente não são levados para a “linha de frente”. Segundo Collar, eles só ajudam em “tarefas menores” como dar água para os adultos. “A necessidade foi o que nos trouxe até este ponto. Maduro afundou o país. Perdemos tanta coisa, inclusive o medo”.

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