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Coluna
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Quando os números sangram

Com o alto índice de desemprego entre os jovens, a pergunta óbvia é se Governo ou sindicatos se interessam por essa geração à deriva que deveria ser a força motriz da economia do futuro

Juan Arias
Alunos de um curso preparatório para o vestibular em São Paulo
Alunos de um curso preparatório para o vestibular em São PauloRAQUEL CUNHA

Sou um devoto literário de Kafka talvez por minha alergia à burocracia. Me entediam e afligem os papéis e os números das estatísticas, na maioria das vezes inúteis. Entretanto, reconheço que há números que sangram e fustigam nossa consciência como, por exemplo, que dos 14 milhões de desempregados no Brasil, 31,8% são jovens entre 18 e 22 anos, segundo dados levantados pela revista Veja em recente matéria de Bianca Alvarenga. E mais, 30% desses jovens não só não trabalham como também não estudam e só 11% dos jovens de 19 anos, meninos e meninas das classes C, D e E, as mais pobres, cursam a universidade, o que significa que quase 90% deles está fora do ensino superior.

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Querem mais? Os jovens das famílias de baixa renda são 70% de toda a juventude brasileira. E esses 70% de todos os jovens do país são os mais afetados pela crise: são os primeiros a perder o emprego já que têm menos estudo e estão menos profissionalizados. Restariam apenas 30% de jovens com a possibilidade de trabalhar ou de estudar. A pergunta óbvia é que Governo ou que sindicatos se interessam por essa maré de jovens à deriva que deveriam ser a força motriz da economia do futuro.

Os Governos progressistas do passado levaram o país a este abandono dos jovens que afetará uma geração inteira, e o Governo conservador do presidente Temer tem muito no que pensar para tentar se salvar dos tribunais, acusado de corrupção. Seria possível alegar que a recente reforma trabalhista permitirá aumentar o emprego dos jovens com contratos por empreitada e jornada reduzida. Isso resolverá o problema de fundo ou perpetuará uma legião de milhões de jovens que irão pulando de emprego em emprego, cada vez mais mal pagos? É verdade que "a fome não espera" e, para esses jovens, é melhor ter um emprego precário do que voltar para a pobreza de que seus pais saíram. Mas isso não resolve o futuro de uma nação. E pode ser que perpetue seu castigo.

E os sindicatos? Dos 10.817 existentes, os mais numerosos do planeta, qual deles está pensando que o mundo mudou, que não podem permanecer amarrados a símbolos e liturgias do passado, já que o campo trabalhista não é o mesmo de antes? Estamos entrando na era da robótica em que se profetiza um mundo com trabalho para muito poucos. Estão os sindicatos pensando em toda essa juventude sem emprego e sem estudos? Se os sindicatos nasceram para proteger o trabalhador, considerado um proletário explorado pelo capital, e um dia foram um instrumento valioso na afirmação dos direitos trabalhistas, hoje têm de pensar que os novos proletários são os milhões de desempregados. Aqui no Brasil, 14 milhões, que são na realidade 14 milhões de famílias, o que afeta 40 milhões de pessoas. O novo proletariado são esses 70% de jovens que vivem nos lares mais pobres. Quem tem um trabalho seguro faz parte de um grupo privilegiado.

Será que o Governo e esses milhares de sindicatos têm consciência de que, com esses números de desemprego, sobretudo juvenil, uma política educacional em que 40% abandonam os estudos e índices de aprendizado que figuram entre os piores do mundo, o Brasil está condenado a perder mais de uma geração? E o mais assustador é que perderá a geração jovem, a que terá em suas mãos o país em um mundo no qual, quando forem adultos, não terá mais nada a ver com o que vivemos. Ou os governantes acordam ou poderão ser acordados de um modo que não gostariam, já que nem a fome nem o desespero do desemprego costumam esperar eternamente.

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