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Thiago Castanho: “Os ingredientes da Amazônia não podem ser usados só porque estão na moda”

Chef paraense diz que é preciso se conectar com a região por meio da comida, invés de buscar ingredientes em locais distantes

O chefe paraense Thiago Castanho posa para foto em São Paulo.
O chefe paraense Thiago Castanho posa para foto em São Paulo.Luís Simione
Marina Rossi
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Quem mora em São Paulo ou no Rio de Janeiro e tem dinheiro, talvez não encontre muita dificuldade para achar um restaurante que sirva costela de tambaqui frita, pato no tucupi ou um filhote na brasa. Uma boa geleia de cupuaçu ou mesmo a já queridinha cachaça de jambu são facilmente vistos em prateleiras de mercados que vendem alimentos e ingredientes da região norte do país.

A Amazônia está, definitivamente, na moda. Mas será que estes alimentos deveriam mesmo estar aqui no sudeste do país, a tantos quilômetros de distância? Qual o custo, principalmente ao meio ambiente, de se explorar, em larga escala, ingredientes em locais tão distantes? Estes são alguns dos questionamentos feitos pelo chef de cozinha Thiago Castanho, definido pelo The New York Times como "um dos chefs mais inovadores do Brasil", e dono dos restaurantes Remanso do Peixe - uma casa mais simples, com receitas mais caseiras - e Remanso do Bosque, sua casa mais pop, ambos em Belém do Pará. No ano passado, o Remanso do Bosque foi considerado o 44º melhor restaurante da América Latina na premiação Latin America's 50 Best Restaurants. Foi a quarta vez que a casa do paraense figurou na disputada lista.

O restaurante tem como bandeira a culinária de raiz e o respeito aos ingredientes locais. Por isso, os questionamentos de Castanho sobre o uso de ingredientes amazônicos em locais longe da floresta são feitas de maneira natural. Nascido e crescido no Pará, o chef tem propriedade para falar e usar ingredientes como formiga saúva frita e folhas de jambu - presentes em renomados e, para a maioria dos mortais, inacessíveis, restaurantes de São Paulo. “Eu não uso ingrediente amazônico por moda”, disse Castanho, que recentemente esteve na quarta temporada do programa Masterchef. “Eu uso porque comi a minha vida inteira estes alimentos”, afirmou, durante uma breve visita a São Paulo na última semana.

Durante a visita à capital paulista, Castanho apresentou para um público de descolados em um dos prédios mais modernos da avenida Faria Lima, em São Paulo, o chocolate da dona Nena. A produtora que deu o nome ao doce é uma senhora que vive na ilha do Combu, a 15 minutos de barco de Belém. Colhe o cacau do próprio quintal e fabrica um chocolate feito 100% do fruto, algo que muitas marcas caras não fazem.

Com a matéria prima em mãos, Thiago fez um mousse com pedaços do chocolate, acompanhado de uma espécie de geleia de cupuaçu. Serviu em vasinhos de cerâmica laranja com colheres de jardinagem. Cool. Além de Castanho, o chef estrelado Alex Atala também usa o cacau fornecido por dona Nena em algumas receitas. “Mas os ingredientes da Amazônia não podem ser usados por moda”, alfineta o chef paraense, sem mencionar nenhum nome em momento algum da conversa. “Tem que ter uma lógica".

"Do mesmo jeito que tem cada vez menos gente fumando, vai ter cada vez menos gente comendo carne. O futuro vai ser esse"

Na visão do chef, todas as regiões do Brasil têm suas riquezas gastronômicas. E os restaurantes devem aproveitar melhor o que encontram por perto. Castanho menciona o Vale do Paraíba, região que se estende do interior de São Paulo, passando pelo litoral, chegando ao Rio de Janeiro, como um exemplo a ser mais bem explorado. "Por que então usar aquela farinha d´água paraense, por exemplo? Você conhece o produtor? Conhece a produção? O que ela tem a ver com o seu prato?", questiona. “Aqui no Vale do Paraíba tem uma série de farinhas também: farinha de milho, de mandioca, e é mais perto de quem nasce aqui né? Você se sente mais conectado com o ambiente”.

Cozinha sinoparaense

Embora a culinária de Castanho tenha o foco nas raízes, ele afirma que é preciso se renovar. Por isso, está sempre viajando, por diversas partes do mundo, para "não se fechar muito na tradição". Das viagens, ele traz referências que adapta à gastronomia local. Uma das mais recentes criações é inspirada no bun, um pãozinho chinês feito no vapor que virou moda em diversos restaurantes pelo mundo. No restaurante de Castanho, o resultado é um pãozinho de açaí no vapor, com picles de maxixe e peixe empanado na farinha d'água. Se o público aprovou? "O paraense diz que é 'muita coisa pra minha cabeça', mas acaba gostando", diz ele. Os pãezinhos de tapioca no vapor, com barriga de porco assado, pimenta de missô (pasta de soja) e picles de chuchu devem ter causado reação parecida.

Ele conta que seus conterrâneos estão sempre em primeiro lugar. Mesmo que o Remanso do Bosque tenha se tornado um local mais moderninho, que chama muitos turistas. "O restaurante não pode ser encarado como turístico. Isso não é legal para nós, que moramos em Belém", diz. "Queremos alimentar principalmente os paraenses". Para isso, ele conta que a casa foi toda reformada recentemente, abrigando agora uma coquetelaria anexada ao restaurante. "O paraense quer se sentir em um lugar diferente, como se ele estivesse viajando, mas sem perder a identidade local, como se ele estivesse em casa".

Aos que esperam que o chef venha para o sudeste, ele logo avisa: "Tenho 1% de instigação, mas nenhuma pressa", avisa. Mas não diz se traria com ele os ingredientes amazônicos ou exploraria os naturais da terra paulista. Aliás, embora ele se beneficie da região geográfica onde está para criar suas receitas, lamenta, porém, seu cardápio não ser 100% paraense. Ainda. "Uso muito azeite de oliva ainda, e preferia estar usando mais o azeite de castanha", diz. "No Pará tem uma infinidade de palmeiras oleaginosas que poderíamos estar fazendo o óleo, por exemplo. Mas estamos caminhando para isso".

Apesar dos peixes e carnes serem protagonistas da maioria dos pratos da casa, Castanho conta que está fazendo alguns testes como vegetariano. Para ele, a diminuição no consumo das carnes, de qualquer espécie, é o próximo passo da gastronomia. "Vai acontecer com a indústria da carne o mesmo que ocorreu com a do cigarro", diz. "Do mesmo jeito que tem cada vez menos gente fumando, vai ter cada vez menos gente comendo carne. O futuro vai ser esse".

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