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Na esteira da reforma trabalhista no Brasil, Macri ataca “indústria de ações”

Mudanças na CLT reacendem debate na Argentina, mas tema esbarra em eleições legislativas Falsos dados dos sindicatos argentinos foram usados em debate sobre mudanças brasileiras

Federico Rivas Molina
O presidente da Argentina, Mauricio Macri, tira 'selfie' em evento.
O presidente da Argentina, Mauricio Macri, tira 'selfie' em evento.EFE

Mauricio Macri quer menos processos trabalhistas. Atento às reclamações dos empresários, o presidente argentino defendeu publicamente o combate à “máfia” dos advogados e juízes que todo dia “deixam muita gente sem trabalho”. Os empregadores, disse ele na semana passada, não contratam funcionários porque muitas vezes temem que “seu esforço seja perdido por causa desses comportamentos mafiosos”. Macri atacou sobretudo as dezenas de milhares de ações abertas todos os anos, mais de 185.000 em 2016 somente na cidade de Buenos Aires. Uma cifra 20% maior que a de 2015 e que dobra o total registrado há 10 anos. Ninguém diz isso em voz alta para evitar polêmica, já que há eleições legislativas em outubro, mas o pano de fundo da discussão é conhecido: a Argentina tem um poderoso sistema sindical, integrado por mais de 6.400 sindicatos, com leis trabalhistas herdadas do peronismo e vistas pelos empresários como a origem de todos os seus males. A aprovação da reforma trabalhista no Brasil, com normas mais restritivas para os trabalhadores e enfraquecimento dos sindicatos, deu impulso ao debate.

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A flexibilidade laboral é mal vista na Argentina. Principalmente porque ataca os alicerces de um sistema que é considerado um exemplo pelos trabalhadores do mundo todo. A principal lei é um acordo coletivo aprovado em 1974, sob um Governo peronista. Dois anos depois, militares golpistas restringiram a lei em cerca de um terço. O Governo Carlos Menem a limitou outra vez nos anos noventa, quando o império das teorias neoliberais exigiu a redução dos custos laborais. A partir de 2003, no entanto, o kirchnerismo empreendeu um longo e persistente caminho de reconstrução que reviveu o espírito da lei dos anos setenta. Sob o seu nome são travadas as discussões atuais. “Na Argentina, invejamos o sistema trabalhista brasileiro”, afirma o advogado Héctor García, que assessora empresas na área do direito do trabalho. “Há objetivos comuns porque os dois países, juntamente com o México, têm problemas graves com os litígios trabalhistas. O Brasil tem três processos para cada 10 trabalhadores; a Argentina tem dois e o México, um. Os demais países da região apresentam índices bem mais baixos. O Chile, por exemplo, tem 0,25 ações para cada 10 empregados”, cita García.

Não causa surpresa, portanto, o entusiasmo que a reforma brasileira causou na Argentina. Os jornais de economia detalharam a nova lei em suas capas, inclusive com resumos dos pontos mais importantes. Nesta segunda, o ministro do Trabalho de Macri, Jorge Triaca, foi instado a comentar se há planos ou não da Casa Rosada em fazer mudanças, mas evitou dizer se a reforma no Brasil será levada em consideração. "Alentamos que haja uma discussão sobre os processos produtivos", mas uma reforma, ele disse, "tem que ser produto de consenso entre os argentinos", disse a uma rádio.

“É tudo o que a Argentina necessita: descentralizar a negociação coletiva, alterar o sistema de banco de horas e reduzir a litigiosidade laboral”, afirma o especialista Héctor García. “A reforma no Brasil é de grandes proporções”, diz, por sua vez, Matías Cremonte, presidente da Associação de Advogados Trabalhistas da Argentina. “Permite a negociação no nível mais baixo e por empresa, favorecendo os acordos individuais. Na Argentina, pode-se negociar de forma individual mas apenas quando o acordo melhora o convênio geral, pois existe o princípio da norma mais benéfica. Ou seja: em caso de dúvida, é aplicada a que favorece o trabalhador”, explica Cremonte.

Além disso, uma lei como a brasileira significa um ataque contra a verticalidade sindical argentina, baseada em sindicatos por atividade e não por empresa, capazes de fazer frente às companhias mais poderosas. Mas seria um erro pensar que essa é a foto que descreve o sindicalismo da Argentina. No país não existem 90 sindicatos, como disseram alguns empresários brasileiros durante as discussões da nova lei. E tampouco são tão verticais como foram no passado, mas a maioria segue poderosa.

Foi nesse contexto de mudanças que Macri denunciou a “indústria de processos trabalhistas” _ele não citou textualmente a reforma brasileira que se por um lado dificulta o acesso dos trabalhadores à Justiça do trabalho por outro deixa ainda temas cinzentos passíveis de questionamentos legais. Os dardos do presidente apontavam sobretudo contra as ações judiciais abertas por acidentes, pois “são as que têm mais impacto sobre os custos do trabalho”, diz García. “Do total de processos trabalhistas abertos na Argentina, 70% são por acidentes. Isso aumenta o prêmio cobrado pelas seguradoras por risco de acidentes de trabalho [conhecidas como ART]. Há empresas que destinam até 20% da folha de pagamento às ART, com o agravante de que os acidentes não estão aumentando, e sim diminuindo, enquanto cresce o número de processos.” A denúncia do Governo foi que uma “máfia” integrada por médicos, advogados e juízes forjam as provas de muitos trabalhadores que não estão em condições de litigar. Em troca, ficam com uma boa fatia das indenizações que conseguem.

Os advogados trabalhistas rejeitam as acusações oficiais, dizendo que a causa do fechamento das fábricas não é o volume de ações, e sim a crise econômica. “Toda vez que atacam os advogados e falam de indústria de processos, é sinal de que estão pensando em mudanças na legislação trabalhista. Cristina Kirchner fez isso, e agora é a vez de Macri”, diz Cremonte. As notícias vindas do Brasil agitaram ainda mais esses fantasmas.

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