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Crise na Venezuela

Rompimento total entre a procuradora-geral da Venezuela e o Governo de Maduro

Luisa Ortega Díaz recusou 17 dos integrantes da Sala Plena do Tribunal Supremo que a julgarão na terça-feira, dia 4 de julho, na audiência sobre suas supostas irregularidades

Luisa Ortega chega na segunda-feira à Assembleia Nacional em Caracas.
Luisa Ortega chega na segunda-feira à Assembleia Nacional em Caracas.

A primeira segunda-feira de julho mostrou-se um ponto de inflexão em um mês que já parece ser decisivo na grave crise política e socioeconômica enfrentada pela Venezuela. Se já corria uma contagem regressiva para as eleições de 30 de julho, nas quais serão escolhidos os deputados para a Assembleia Constituinte que o Governo de Nicolás Maduro defende, a oposição decidiu encurtar o prazo, a partir da Assembleia Nacional, para convocar um referendo consultivo para o dia 16 de julho, no qual se perguntará aos participantes se aprovam ou rejeitam a Constituinte.

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“Estamos preparados para iniciar as ações que forem necessárias para chegarmos a um país com vida e futuro, uma Venezuela digna e justa que nos encha de orgulho”, disse o presidente do Parlamento e dirigente do partido de oposição Primeiro Justiça (PJ), Julio Borges, em um ato do qual participaram representantes das demais organizações reunidas na opositora Mesa de Unidade Democrática (MUD) e de associações e organizações da sociedade civil.

O chamado a um referendo consultivo está incluído em um documento lido por Borges durante o evento, e que leva o título de Que seja o povo que decida. A oposição invoca o artigo 71 da Constituição vigente para que a Assembleia Nacional convoque e organize uma consulta popular. Mais de 1.500 centros de votação seriam colocados à disposição dos cidadãos nesse dia, e com isso a MUD tenta promover uma demonstração de força e deslegitimar o chamado da situação para redigir uma nova Constituição. Segundo diversas pesquisas de opinião, não mais de 20% dos eleitores estariam dispostos a ir às urnas em 30 de julho, data em que o chavismo governante realizará as eleições para “sua” Assembleia Constituinte.

Apesar dos rumores que anunciavam seu comparecimento, a procuradora-geral da República, Luisa Ortega Díaz não foi ao ato. Dissidente do chavismo, está disposta a exercer um papel de articuladora para a transição política que a oposição tenta realizar.

De qualquer maneira, minutos antes do chamado da oposição ao referendo, Ortega Díaz deu um importante voto de confiança à Assembleia Nacional. No Palácio Federal Legislativo, sede do Parlamento, durante uma sessão em que se discutia a ratificação em seu cargo do vice-procurador Rafael González Arias, recentemente destituído pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), Ortega Díaz disse aos deputados da bancada majoritária de oposição que “vocês estão a serviço do Estado e do Ministério Público também, eu acredito que esta Assembleia Nacional é legítima”.

Desde setembro passado, em outro pronunciamento do TSJ, a Assembleia Nacional está em estado de “desacato” e suas atuações são consideradas nulas.

A própria procuradora enfrenta horas decisivas. Na terça-feira, dia 4 de julho, será realizado no Supremo a sessão em que Ortega Díaz deve testemunhar sobre as “faltas graves no exercício de seu cargo” que supostamente teria cometido e pelas quais o dirigente da situação, Pedro Carreño, solicitou a abertura de um julgamento prévio de mérito contra a titular do Ministério Público. O TSJ aceitou o pedido e convocou para 4 de julho uma audiência. No entanto, é tido como certo que Ortega Díaz não participará e que o tribunal máximo designará um substituto.

No entanto, a procuradora jurou estar disposta a não vender barato seu afastamento. Pela manhã, divulgou em sua conta oficial do Ministério Público um vídeo no qual expressa que sua “firme decisão de defender a Constituição e velar por sua vigência” em um momento em que, afirmou, “a democracia na Venezuela está em perigo”.

O toma-lá-dá-cá entre Governo e a procuradora, classificada de “traidora”, continuou escalando durante o dia até alcançar níveis absurdos. Agentes da Controladoria Geral da República, o órgão do Executivo que supervisiona a lisura da gestão administrativa pública, informaram sobre uma campanha de inspeções nas sedes do Ministério Público ao longo do dia. No fim da tarde, dirigentes associativos próximos ao Governo recorreram ao órgão para denunciar Ortega Díaz por suposta malversação de fundos públicos.

Quase ao mesmo tempo, o TSJ declarou nula a citação que a procuradora tinha feito contra o ex-comandante da Guarda Nacional, general Antonio Benavides, acusando-o de crimes contra os direitos humanos nas operações de controle dos protestos que a oposição tem feito nas ruas de Caracas e em outras cidades venezuelanas desde início de abril.

“Que façam todas as auditorias que quiserem no Ministério Público”, respondeu desafiadora Ortega Díaz, que contra-atacou à tarde ao enviar a autoridades dos Estados Unidos um pedido de informações sobre o caso de Efraín Campos Flores e Franqui Flores, sobrinhos da primeira dama, Cilia Flores, que estão sendo processados por um tribunal do Distrito Sul de Nova York sob a acusação de narcotráfico.

A procuradora também recusou 17 dos integrantes da Sala Plena do TSJ que a julgarão na terça-feira na audiência sobre suas supostas irregularidades.

A questão da procuradora se tornou a deserção mais significativa e ameaçadora para o Governo de Maduro, que move suas peças para tirá-la do tabuleiro.

No sábado, a oposição reuniu uma multidão no Leste de Caracas em defesa da procuradora Ortega Díaz. No entanto, ela tenta se posicionar como ponta de lança de um movimento dissidente das fileiras do oficialismo que tenta resgatar o chavismo original.

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