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Jazz íntimo nas ruas de São Paulo

Daniel Daibem surpreende os transeuntes no show que comemora a décima edição do projeto Ciclo 1906

Três milhões de militantes, simpatizantes e/ou curiosos saíram às ruas de São Paulo, no domingo passado, para celebrar a diversidade sexual em suas diversas variantes. Vinte e quatro horas mais tarde, 150 pessoas assistiram a um concerto de jazz numa praça da cidade.

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No Brasil, mas não só aqui, as pessoas em geral gostam das grandes cifras, dos decibéis, dos anúncios estrepitosos, não dando atenção a atos minoritários não menos carentes de significado. Levar o jazz à rua é algo que não se discute em outras partes do mundo. O jazz, dizem-nos, é “a música clássica do século XX” e, como tal, merece uma consideração. Assim como merecem seus seguidores, simpatizantes e os que, ao passarem por ali, sem saberem do que se tratava, encontraram-se com uma master class sobre o gênero musical sem necessidade de gastar um centavo. O culpado: Daniel Daibem.

Violonista, cantor, conhecido sobretudo por seus programas de divulgação no rádio e na TV, Daibem é intérprete da velha-nova guarda, entendendo-se por tal a que reúne no mesmo saco Wes Montgomery e Angus Young, o guitarrista do AC/DC. Ele sabe melhor que ninguém conjugar os estilos de um e de outro, algo que escapa à compreensão deste crítico. Eram ele e os integrantes de seu primoroso quarteto donos de uma juventude exultante e de um repertório muito ad hoc, com proliferação de clássicos do jazz: Route 66, I Got a Woman, Moanin’... e versões em jazz de clássicos locais como Codinome Beija-Flor, de Cazuza. O concerto, repleto de intenções e de bom jazz, foi num lugar especial: a Travessa Tim Maia, dedicada pela Prefeitura da cidade ao “pai do soul brasileiro”.

Imagine, leitor, uma pracinha de ares parisienses, o skyline da cidade ao fundo, as pessoas indo e vindo – e ficando ali; o ciclista que detém a marcha para ver o que é aquilo; o que saiu para passear com o poodle e também parou; os vizinhos debruçados na janela. E lá embaixo os músicos, reunidos num minipalco, rodeados por cevada dourada e caixas de cerveja Estrella Galicia, patrocinadora do evento. Tudo muito íntimo e muito incomum para a cidade.

Acontece que o ato, show, concerto, master class ou o que for tinha o seu segredo, seu mistério. Sua parte invisível, por assim dizer. Era, por um lado, Daniel Daibem à frente do quarteto, em São Paulo; e, por outro, Javier Colina, Josemi Carmona e os Flamenco Jazz All Stars, em Madri; e também o Abe Rábade Trío, featuring Perico Sambeat, em Santiago de Compostela. Os três shows no mesmo dia (19 de junho de 2017) e na mesma hora (19:06), com o mesmo cartaz de “grátis”. Como um show de três bandas, três concertos em um. Unindo os pontos, uma conhecida marca de cerveja de qualité com forte presença no mercado brasileiro. Estrella Galicia foi fundada em 1906, daí o nome de seu produto-estrela – com o perdão da redundância – e o ciclo de jazz realizado há uma década. Desse modo, o concerto triplo nos avisou do que vem por aí: um ciclo 1906, edição 2018, transcontinental e “transgênero”, o que tem menos a ver com as tendências transexuais dos envolvidos do que com a presença, na programação, de outras músicas que não são jazz, mas poderiam ser.

Entre as atrações, ainda a confirmar, estariam grandes e não tão grandes nomes, mas igualmente necessários, aos quais deverá se juntar o de Daniel Daibem.

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