_
_
_
_
_
Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

Pai, afasta de mim essa treta

Uma crônica em feitio de oração para as almas penadas nas redes sociais

O escritor Ariano Suassuna, morto em 2014
O escritor Ariano Suassuna, morto em 2014Teia (Flickr Commons)

Pai, afasta de mim essa treta, pai. Franciscanamente, senhor, onde houver treta, que eu leve apenas uma saudável polêmica jornalística, se é que você me entende, jovem e (ainda) imparcial foca que acabou de ir buscar a calandra -como no mais antigo dos trotes das redações da rua do Imperador, Recife.

Onde houver ódio, que eu seja pelo menos um dublê de isentão, meu chapa, meu irmão.

Onde houver comentários fascistas, defendendo a tortura como ideia de justiça, senhor, que eu não caia na tentação de uma simples resposta com dignidade humanista.

Mais informações
Lá vamos nós, Diretas Já
Reformista, mas ordinário
Mamãe, mamãe, não chore
Xenofobia Futebol Clube

Que a palavra treta, pai, que veio de tractum, atraído (por confusão) em latim, volte ao tatame, urgentemente, seja devolvida à linguagem da esgrima, cujo sentido original era apenas de devolver os golpes recebidos com o máximo de ética, por suposto, e olímpico respeito.

Pai, afasta de mim esse banzé, esse cu-de-boi, esse funaré -para citar alguns sinônimos de treta na minha fala nordestina que me faz esquecer o francês, como pedia o Belchior, o novo treteiro lá de cima.

Pai, agora vai, só por hoje, não cairei em tentações, nem mesmo no sentido de “Mil trutas, mil tretas” da letra classe dos Racionais, donde a semântica é bem diferente do clima das redes sociais.

Ó mestre, fazei que eu procure mais, silenciar que fazer comentários, afinal de contas é bloqueando que se é bloqueado, seja na bíblica Cafarnaum ou na facelândia do cracrobook. Pai, afasta de mim esse post, para quem deseja confusão, um twitter vale pelos 15 mil versos da fúria de Aquiles na Ilíada. Pelo menos.

Se o golpe foi dado...

Se Deus está morto, tudo é permitido. A frase, dessa maneira, nunca foi dita ou escrita, apenas há um assobio de algo parecido na boca de Ivan, um dos irmãos Karamazov. A falsa frase mais famosa da literatura, porém, nos leva a outra, que vale muito a cada dia depois do impeachment: se o golpe (parlamentar) foi dado, tudo será possível. Por que tanto espanto diante do óbvio? Bíblico fosse, tudo estaria no profeta Jucá, capítulo 1, versículo 171, vide estancamento da sangria, amém.

Suassuna e a Internet

O gênio paraibano Ariano Suassuna, que faria 90 anos nesta semana, morreu em 2014 orgulhoso de nunca ter dado um só clique na Internet. É do nosso Cervantes, todavia, a melhor definição sobre o comportamento nas redes sociais: “A humanidade se divide em dois grupos: os que concordam comigo e os equivocados”. Nosso armarinho de carapuças está aberto, agradecemos a preferência e até a próxima.

Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de “Se um cão vadio aos pés de uma mulher-abismo” (editora do Bispo), entre outros livros. Comentarista dos programas “Papo de Segunda” (GNT) e “Redação Sportv”.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_