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Trump ao ex-diretor do FBI: “Preciso de lealdade, espero lealdade”

Em documento, James Comey revela pressões a que foi submetido pelo presidente dos EUA

James Comey, ex-diretor do FBI
James Comey, ex-diretor do FBIJoshua Roberts (REUTERS)

A bomba explodiu. O ex-diretor do FBI James Comey confirmou, em detalhes, as pressões que sofreu por parte do presidente Donald Trump pela investigação da trama russa. Em um documento de sete páginas enviado ao Comitê de Inteligência do Senado, Comey recorda os três encontros e as seis ligações que manteve com o mandatário em quatro meses. Anotou todas elas, e em todas Trump quis, de um jeito ou de outro, reduzir a pressão das investigações. “Preciso de lealdade, espero lealdade”, disse-lhe o presidente numa reunião privada na Casa Branca.

Trump se vê diante do próprio muro. Uma barreira que não cede e que pode acabar com ele: James Comey. Um homem alto, que fala com clareza e de provada integridade. A declaração apresentada no Senado, que será lida amanhã no Comitê de Inteligência, está destinada à história. Suas palavras podem dar origem a um caso de obstrução. A pedra de toque de um ainda improvável impeachment.

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O documento é o pior pesadelo para a Casa Branca. Com meticulosidade, Comey revela os detalhes de cada reunião. A maioria delas já vazou para a imprensa. E o relato do que foi publicado coincide bastante com o que Comey informou em depoimento. Não há desvios.

O primeiro encontro a portas fechadas foi registrado em 27 de janeiro na Casa Branca. O presidente havia convidado Comey pessoalmente. Era de noite. O diretor do FBI chegou sozinho. “Ocupamos uma pequena mesa oval no centro do Salão Verde. Dois assistentes da Marinha nos serviram. Só entravam na sala para trazer comida e bebida”, recorda Comey.

Nesse ambiente, Trump disse a Comey que muitos gostavam do seu trabalho e que “entenderia se eu quisesse ir embora”. “Meus instintos me disseram que naquela refeição cara a cara... estava tentando criar uma relação de tutor. Isso me preocupou muito, devido à independência do FBI”, detalha a carta.

Comey tentou sair da situação, afirmando que “não era confiável no sentido político”, mas que lhe podia ser sincero. Foi quando o presidente lhe disse: “Preciso de lealdade, espero lealdade”. O diretor do FBI se negou a responder. “Não me mexi. Não falei nem mudei minha expressão facial no incômodo silêncio que veio depois.” Antes que partisse, Trump voltou a insistir. Comey então respondeu: “Sempre terá minha honestidade”.

O encontro seguinte ocorreu em 14 de fevereiro, também na Casa Branca. Terminada a reunião de segurança, o presidente ficou a sós com Comey. E lhe pediu que encerrasse as investigações sobre o conselheiro de Segurança Nacional, Michael Flynn, destituído na véspera e personagem central da trama russa.

“É um bom sujeito. Espero que você possa ver a forma de deixar para lá o assunto do Flynn, espero que possa deixar para lá”, disse Trump. Comey de novo se mostrou comedido: “Realmente, é um bom sujeito.”

Logo após a reunião, o diretor do FBI preparou um memorando da conversa. Em sua opinião, o presidente havia lhe pressionado para colocar fim a qualquer investigação relacionada com Flynn. “Mas não entendi que o presidente estivesse falando sobre toda a investigação da Rússia e possíveis vínculos com a campanha”, afirma o documento.

Ao longo das conversas, Trump sempre defendeu sua inocência e manifestou seu mal-estar com a “nuvem” que a investigação representava para seu trabalho político. “O presidente me disse que, caso houvesse satélites associados que tivessem feito algo ruim, seria bom encontrá-los, mas que ele jamais tinha feito nada ruim e que esperava que eu encontrasse a forma de apontar que não o estávamos investigando.”

De todas as reuniões, o diretor do FBI guardou anotações que poderiam ser utilizadas como provas nos tribunais. Cada memorando, além disso, foi discutido com a sua equipe. Juntos, os integrantes concluíram que o presidente tentara influir no caso, mas decidiram manter silêncio para não afetar o andamento das investigações.

O documento de Comey é fundamental para saber se a destituição de 9 de maio passado foi por causa da sua recusa a se submeter às pressões. O ex-diretor do FBI nada diz a respeito. Não interpreta. É puramente denotativo.

No início, a demissão foi atribuída pela Casa Branca ao seu errático comportamento no caso dos e-mails de Hillary Clinton. Logo, porém, o próprio Trump tornou público que estava farto “desse negócio de Rússia”. O presidente inclusive o chamou de “fanfarrão” e, no dia seguinte à demissão, num encontro com o ministro de Relações Exteriores russo, reconheceu que a saída do funcionário havia lhe “tirado muito peso das costas”.

Sob essas coordenadas, a queda de Comey havia sido entendida como um ataque às investigações sobre a trama russa – as averiguações do FBI que tentam determinar se a equipe eleitoral de Trump agiu em combinação com o Kremlin na campanha de desprestígio sofrida por Hillary Clinton nas mãos dos serviços de inteligência russos.

Com a confirmação dos vazamentos, o céu vai escurecer para Trump. A tempestade será pavorosa, mas a construção de um caso de obstrução ainda precisará de provas. A demissão é parte das atribuições presidenciais e, para que ocorra a obstrução, é preciso demonstrar a intencionalidade – um passo muito complexo. Ao mesmo tempo, espera-se que a Casa Branca reaja atacando Comey com o seguinte argumento: se ele sentiu que o presidente insinuava-se à margem da lei, por que não o denunciou ou renunciou? A batalha acaba de começar.

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