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Jornalistas ocupam “predinho” que a JBS teria superfaturado a pedido de Aécio

Empresário Joesley Batista diz ter comprado imóvel do jornal Hoje em Dia, que deu calote em ex-funcionários para repassar propina ao tucano

Ex-funcionários sofreram calote e ocupam antigo prédio do jornal.
Ex-funcionários sofreram calote e ocupam antigo prédio do jornal.Isis Medeiros (Movimento Ocupa Predinho/Divulgação)
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“Comprei um predinho por 17 milhões e esse dinheiro chegou às mãos dele.” Foi assim, em delação premiada à Procuradoria-Geral da República, que o empresário Joesley Batista, proprietário do grupo JBS, descreveu como teria comprado um imóvel superfaturado em Belo Horizonte para repassar propina ao senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG). O “predinho” em questão pertencia ao jornal Hoje em Dia, que demitiu vários funcionários no início do ano passado, mas ainda não pagou direitos trabalhistas a cerca de uma centena deles. Nesta quinta-feira, jornalistas, gráficos e trabalhadores da administração que reivindicam pagamentos na Justiça ocuparam o prédio de três andares, localizado na zona sul de Belo Horizonte, e cobram a penhora do imóvel para a quitação das dívidas. O grupo com cerca de 150 profissionais permanece na sede do jornal desde a manhã desta quinta-feira e explica que o movimento não se trata de ocupação de posse, mas sim de um protesto para reivindicar “o esclarecimento dos fatos e o pagamento das dívidas trabalhistas”.

Em setembro de 2015, a Ediminas, então controladora do Hoje em Dia e comandada pelo empresário Flávio Jacques Carneiro, formalizou a venda do prédio e de um terreno anexo ao imóvel à JBS. O negócio foi fechado em 18 milhões de reais e previa duas parcelas iniciais de 4 milhões de reais cada, além de outras 10 parcelas de 1 milhão de reais. Com a antecipação do pagamento, o valor total da venda ficou em 17,3 milhões de reais. Questionado se havia pagado o preço de mercado pelo prédio, o dono da JBS não tergiversou: “[Aécio] precisava de 17 milhões e tinha um imóvel que dava pra fazer de conta que valia 17 milhões”, explicou ele durante a delação aos procuradores.

O indício de fraude na transação já havia sido levantado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) de Minas Gerais, ao apurar a ação trabalhista dos ex-funcionários do jornal. No fim do ano passado, o MPT tentou bloquear, sem sucesso, as parcelas de 1 milhão de reais previstas para a quitação do imóvel, que pela documentação mostrava a J&F como proprietária. Em janeiro deste ano, ou seja, quatro meses antes da delação de Joesley se tornar conhecida, o procurador Victório Álvaro Coutinho Rettori divulgou um parecer em que pedia a quebra de sigilos fiscal e bancário da holding J&F, que controla a JBS.

Na ocasião, porém, a JBS alegou que, ao contrário do que previa o acordo de pagamento parcelado, quitou o débito de maneira antecipada, em fevereiro de 2016, e recebeu um desconto de 700.000 reais. Além de apontar o superfaturamento do prédio, o procurador afirma que não foi possível localizar o paradeiro dos 17,3 milhões de reais pagos pela JBS e conclui que “há consideráveis indícios de irregularidades na alienação desses imóveis, com vistas a levar o empregador a uma condição de impossibilidade de responder por suas responsabilidades trabalhistas”.

Parecer do MPT-MG pede quebra de sigilo das contas da JBS.
Parecer do MPT-MG pede quebra de sigilo das contas da JBS.Reprodução

Em seu depoimento à Procuradoria-Geral da República, Joesley contou que Aécio Neves havia pedido 17 milhões de reais, que seriam repassados ao senador tucano por meio da compra do prédio, para quitar dívidas da campanha eleitoral de 2014, irrigada, ainda segundo o empresário, com 60 milhões de reais da JBS via caixa 2. Em outro trecho da delação, Joesley relata que encontrou-se com Flávio Jacques Carneiro em 2016, quando fez um apelo: “Pedi, pelo amor de Deus, pra ele falar para o Aécio parar de me pedir dinheiro”.

Carneiro, descrito pelo delator como um amigo de Aécio, comprou o jornal Hoje em Dia da TV Record, em 2010. Apesar de ter vendido o prédio de sua sede para a JBS cinco anos depois, o jornal só mudou de endereço em fevereiro deste ano. Sob a gestão de Carneiro, o Hoje em Dia foi responsável por publicar uma pesquisa com dados questionados em 2014, que apontava Aécio com 14 pontos percentuais à frente de Dilma Rousseff no segundo turno da corrida presidencial, em Minas Gerais. O levantamento havia sido feito pelo instituto Veritá, que, após a eleição, admitiu que o jornal aplicou números nacionais ao contexto local, configurando uma interpretação enganosa dos dados. Após a publicação, o PSDB utilizou o jornal como fonte para alardear a vantagem de Aécio em propaganda eleitoral. A Procuradoria-Geral da República ainda investiga a venda de 2,5 milhões de reais em publicidade antecipada do jornal à JBS, que, de acordo com delatores da empresa, teriam sido direcionados à campanha de Aécio.

Ocupação do prédio começou nesta quinta-feira.
Ocupação do prédio começou nesta quinta-feira.Isis Medeiros

Menos de um mês depois da quitação do prédio pela JBS, o Hoje em Dia acabou vendido ao então prefeito de Montes Claros, Ruy Muniz, afastado do cargo em 2016 após uma operação da Polícia Federal. Acusado de corrupção, ele foi preso um dia depois de sua mulher, a deputada federal Raquel Muniz, o citar como um exemplo para o Brasil durante o voto a favor do impeachment da ex-presidente Dilma. Todos os controladores recentes do jornal, da TV Record ao grupo econômico do ex-prefeito, são tratados como réus do processo trabalhista que aguarda julgamento no Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais. Uma das ações, referente apenas à dívida com os jornalistas demitidos do veículo, ultrapassa 1,8 milhão de reais.

A defesa de Aécio Neves, que é alvo de seis inquéritos no Supremo Tribunal Federal, informa que o senador afastado “jamais tomou conhecimento” do negócio entre Ediminas e JBS, reiterando que “são mentirosas as acusações do delator”. O empresário Flávio Jacques Carneiro diz que a venda do prédio foi fruto de transação legal entre as partes. Ele nega que tenha repassado dinheiro a Aécio. A Ediminas, hoje sob o controle da família Muniz, afirma em nota que “vem cumprindo rigorosamente a legislação trabalhista” e trata do processo movido por ex-funcionários nas esferas judiciais competentes.

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