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Independência da Catalunha será imediata se não houver referendo

Governo regional manteve em segredo uma lei com a qual pretende romper com a Espanha

Rafa de Miguel
O presidente da Generalitat, Carles Puigdemont (centro), participa do encontro de Coros Infantis da Catalunha no Palau Sant Jordi, de Barcelona.
O presidente da Generalitat, Carles Puigdemont (centro), participa do encontro de Coros Infantis da Catalunha no Palau Sant Jordi, de Barcelona.Massimiliano Minocri

Será com ou sem referendo. A Generalitat (governo regional autônomo) já tem definido o mecanismo para colocar em prática uma separação imediata da Catalunha em relação ao restante da Espanha caso o Governo central impeça a realização de uma consulta popular sobre a independência prevista para o final de setembro ou começo de outubro deste ano. O EL PAÍS teve acesso ao esboço secreto da Lei de Transição Jurídica, conhecida como lei da ruptura. Trata-se de um documento que pretende funcionar como uma constituição provisória catalã pelo prazo de dois meses que, de acordo com o próprio texto, o parlamento regional teria para promover um processo constitucional que desembocaria na "república parlamentar" da Catalunha. "Se o Estado espanhol impedir a realização do referendo, esta lei entrará em vigor de forma integral e imediata assim que o Parlamento constatar esse impedimento", afirma a última cláusula do texto.

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As crescentes tensões no interior do bloco defensor da soberania se transformaram em uma corrida para ver quem vai mais longe sem suas reivindicações e atuaram como uma espécie de catalisador para acelerar a realização daquilo que pode ser visto como uma viagem sem volta. Um grupo de poucas pessoas – sob a coordenação do ex-vice-presidente do Tribunal Constitucional, hoje defensor da independência, Carles Viver Pi Sunyer — trabalhou nos últimos meses na redação desse manual de instruções para a implantação da independência da Catalunha. Sua leitura mostra que as recentes movimentações políticas — a presença em Madri, nesta segunda-feira, do presidente catalão Carles Puigdemont para apresentar ao Governo central uma proposta de acordo que permita a realização do referendo, bem como o convite anterior de Mariano Rajoy ao líder catalão para que comparecesse à Câmara dos Deputados para debater a questão — são gestos de caráter retórico com os quais cada parte se arma para o grave desafio institucional que se aproxima.

O texto dedica um parágrafo específico à regulamentação do referendo, incluindo a pergunta que seria feita à população: “Você quer que a Catalunha seja um Estado independente da Espanha?”. A intenção explicitada no texto é de que esse item entre em vigor antes dos demais, para que se possa, justamente, promover a consulta. Além disso, afirma-se que a existência de uma maioria de votos a favor, por menor que seja, e sem um limite mínimo de participação, ratificaria a decisão e a tornaria de aplicação obrigatória.

O texto faz referência a si próprio, em vários momentos, como “lei fundadora”. Ao longo de suas páginas, se especificam de forma exaustiva — embora com lacunas legais e algumas incógnitas — os detalhes de como seria a ruptura: quem seriam os cidadãos catalães e como seria possível obter a nacionalidade; quais leis espanholas permaneceriam em vigor e quais deixariam imediatamente de ser aplicadas; qual seria o destino dos funcionários da Administração Geral do Estado residentes na Catalunha; o que aconteceria com os contratos de obras ou serviços públicos assinados pelo Governo central e com os imóveis de propriedade do Estado espanhol.

A maioria independentista do Parlamento regional (Parlament) já aprovou uma mudança na regulamentação que permitiria uma aprovação do texto em caráter de urgência. Em apenas 48 horas, sem chances para uma reação da oposição, a independência seria colocada em marcha.

A começar pelo principal. O trecho do texto referente à Justiça do novo Estado é longo e detalhado. Com três objetivos claros: controle rigoroso do Governo catalão — o presidente do novo Tribunal Supremo seria nomeado pelo chefe de Governo; apropriação de todas as causas judiciais que envolvam a Catalunha e que estejam atualmente em tramitação na Audiência Nacional ou no Supremo Tribunal espanhol; e a vontade expressa de “suspender ou anular as ações penais existentes contra investigados ou condenados por posicionamentos democráticos em defesa da independência da Catalunha ou da criação de um novo Estado de forma democrática e não violenta”. Ou seja: vida nova para os políticos que, como o ex-presidente regional Artur Más ou o ex-deputado Francesc Homs, foram condenados por não atender a determinações do Tribunal Constitucional.

Os autores do texto preservam decisões e realidades de ordem legal e material de grande relevância: a nova república continuaria a fazer parte da União Europeia; benefícios sociais como seguro-desemprego e pensões serão garantidos; e todos os impostos –bem como as penalidades contra a sonegação — passariam a depender integralmente do novo Governo.

De acordo com a lógica constitucional de seus redatores, nenhuma das disposições do texto infringe a legalidade, pois, como afirma a sua segunda cláusula, entende-se que “a soberania nacional radica no povo da Catalunha, do qual emanam todos os poderes do Estado”.

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