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Argentina treme diante da crise brasileira

Dependência do gigante sul-americano é enorme e a recaída ocorre em pleno ano eleitoral

Carlos E. Cué
Os presidentes Maurício Macri e Michel Temer, em um encontro em Brasília.
Os presidentes Maurício Macri e Michel Temer, em um encontro em Brasília.Adriano Machado (Reuters)
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“Quando o Brasil espirra, a Argentina tem uma pneumonia”. A frase está instalada em Buenos Aires e é usada até mesmo pelo presidente argentino, Mauricio Macri, herdeiro de uma fortuna com estreitas ligações com o Brasil, por causa de seu envolvimento significativo no setor automobilístico. A crise brasileira estremece a economia do vizinho do sul e também a política, já que os argentinos vivem um ano eleitoral crucial, com uma recuperação incipiente e ainda fraca, que pode ser muito afetada pela instabilidade de seu grande parceiro comercial. Quando o Brasil está bem, representa 30% das exportações argentinas. Nos últimos tempos caíram, e só agora começavam a se recuperar timidamente. A crise brasileira é vivida na Argentina como se fosse um assunto da política local. Praticamente todas as emissoras de rádio e televisão prepararam programas especiais na noite da quarta-feira para tentar explicar o assunto e as consequências que isso pode acarretar para o país austral.

Mauricio Macri é um aliado chave de Michel Temer. O argentino foi o primeiro líder a cumprimentar o brasileiro rapidamente quando este assumiu após o impeachment de Dilma Rousseff, e o primeiro a viajar a Brasília para demonstrar seu apoio. Seu Governo está tentando manter a prudência mas não disfarça sua enorme preocupação. “O Brasil é nosso principal parceiro. Isso nos preocupa. Mas temos confiança de que as instituições brasileiras saberão resolver esta situação”, afirmou Norberto Frigerio, ministro do Interior. No Japão, onde Macri está em viagem oficial, as notícias estão sendo acompanhadas com inquietação por sua equipe. “Acreditamos que as instituições brasileiras são suficientemente fortes para administrar esta situação”, reiterou a chanceler argentina, Susana Malcorra, em Tóquio.

Na Argentina já se especula diante de todo tipo de cenário, e tanto o Governo como a oposição encaram a situação como uma batalha crucial que atinge a política interna. Uma volta de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência nas eleições de 2018 seria um panorama político complicado para Macri, porque animaria os peronistas que estão tentando se reorganizar para regressar ao poder. O eixo Lula-Kirchner foi fundamental para a década dourada da esquerda latino-americana. O brasileiro participou de vários comícios na campanha de 2015 na Argentina para apoiar o peronismo contra Macri. Mas há, sobretudo, uma questão mais profunda. No atual ciclo latino-americano, com exceção do Equador, assistimos a um lento gotejar de governos de esquerda saindo do poder. Isso é ideal para a consolidação de Macri como líder regional de uma guinada para políticas mais ortodoxas. Uma mudança de tendência no Brasil deixaria o presidente argentino mais isolado em um momento em que ele precisa de aliados.

Em todo caso, a principal preocupação imediata é econômica. A bolsa e a moeda locais começaram a cair com as primeiras notícias vindas do país vizinho, e a tendência continua, ainda que sem um naufrágio total. A Argentina depende muito do Brasil, teve um superávit comercial com seu vizinho de 4,33 bilhões de dólares em 2016 e de 2,5 bilhões em 2015, provocados pela desaceleração econômica. Estima-se que o declínio deste mercado represente pelo menos um ponto de queda do PIB argentino. A Argentina precisa urgentemente que o Brasil volte a crescer.

“É uma má notícia para a Argentina. Calcula-se que para cada ponto que o Brasil ganha em seu PIB, o da argentina cresce 0,25%. Principalmente porque os brasileiros representam boa parte de nossas exportações industriais, apesar de agora elas serem apenas 15% do total”, explica Dante Sica, diretor da consultora Abeceb e especialista nas relações econômicas entre os dois países. “Isso está demonstrando a fragilidade da recuperação do Brasil. Na Argentina há setores muito atingidos, além do automobilístico. Por exemplo, quase 40% das peras e maçãs de Río Negro (uma província na Patagônia) são exportadas para o Brasil. Temer escolheu o caminho de não renunciar, o que pode tornar sua saída mais lenta. A recuperação econômica será mais lenta do que o esperado e as reformas fundamentais vão continuar suspensas, como a trabalhista e a da previdência”, conclui.

“O Brasil estava jogando contra demais nos últimos anos. Estamos exportando a metade dos carros que se vendia em 2013”, explica Marina Dal Poggetto, diretora da Bein, umas das empresas de consultoria mais respeitadas do país. “Chegaram bons números do Brasil no primeiro trimestre. Mas se a atual situação durar seis ou sete meses, teremos um grave problema. Se não a resolverem rapidamente e o novo presidente mantiver a mesma linha econômica, nem tanto. Agora mesmo há uma reação exagerada do mercado”, defende. Dal Poggetto acredita que, a princípio, a crise brasileira possa trazer até uma consequência imediata positiva para a Argentina. O peso argentino, que está muito alto – fazendo com que Buenos Aires seja, de longe, a cidade mais cara da América Latina – está se desvalorizando levemente, arrastado pela crise brasileira. “Isso vai dar um respiro ao Banco Central argentino. O problema é se a situação se prolongar. Ainda mais, em um ano eleitoral. Apesar disso, o que realmente apresenta um risco para a Argentina é o que pode acontecer com a economia dos Estados Unidos se os problemas de Trump continuarem. Temos aí um coquetel explosivo”.

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