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Felipe Ehrenberg, o artista conceitual mexicano que abraçou o Brasil

Expoente da renovação da arte contemporânea do México nos anos 70, ele morreu aos 73 anos

David Marcial Pérez
Felipe Ehrenberg na galeria Freijo, de Madri.
Felipe Ehrenberg na galeria Freijo, de Madri.CARLOS ROSILLO

O artista mexicano Felipe Ehrenberg morreu na tarde desta segunda-feira aos 73 anos num hospital do Estado mexicano de Morelos, em decorrência de um infarto, segundo fontes próximas à família. Editor, professor e diplomata que viveu no Brasil por 13 anos, foi uma figura importante da revolução conceitual das artes plásticas do México nos anos setenta.

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Após peripécias por diversos países, havia decidido, há menos de dois anos, se assentar numa casa de campo do Estado de Morelos, na região central do México, junto com sua mulher, a escritora e cozinheira Lourdes Hernández, seus cachorros e seu trabalho. “Um artista sempre continua trabalhando”, respondeu a este jornalista em fevereiro, durante um percurso pela exposição de Ulises Carrión, outro baluarte da arte conceitual mexicana.

Com uma formação clássica como desenhista, pintor e escultor, Ehrenberg se propôs desde jovem a demolir as tradições. Autoexiliado do seu país depois da repressão de maio de 1968, montou seu acampamento-base na Inglaterra durante quase uma década. De sua casa no campo britânico, ele e sua primeira esposa, a também artista Marthe Hellion, puseram em funcionamento a editora Beau Geste Press, um projeto colaborativo e experimental com o nome de um soldado francês que defendeu um forte contra os árabes colocando como paliçada os seus companheiros já mortos, mas armados com fuzis.

Dessa trincheira, uma das mais influentes do underground da época, difundiram os novos ares do movimento fluxus, os últimos espasmos do dadaísmo e a emergência do discurso conceitual através de panfletos, cartazes, catálogos e livros de arte.

Ele conheceu Carrión munido de um mimeógrafo, uma espécie de impressora manual gigante, que era proibido no México dos anos setenta por servir para fazer panfletos políticos. A Beau Geste Press fabricou os primeiros livros-objeto do outro mexicano autoexiliado, ao qual o Museu Jumex dedicou recentemente uma profunda retrospectiva.

“Era uma época de interrogação. Estávamos contra a arte especulativa: o objeto de arte não tinha que ser uma obra de arte”, explicava Ehrenberg em fevereiro, falando de uma época em que já saltava com facilidade da performance para o desenho e a instalação.

Em seu afã de ultrapassar as convenções e o isolamento, ambos os artistas participaram de uma espécie de jogo-arte que consistia em propagar boatos no mundinho cultural. Ehrenberg saía contando que havia feito uma obra que media um quilômetro de comprimento por dois metros de largura, e que do teto gotejava um líquido vermelho sobre uma área onde ele havia colocado um cardume de peixes e senhores de gravata.

“Sempre achei que a arte servia para dialogar com o indivíduo mais próximo: sua mãe, seus primos, seus amigos da escola, seus vizinhos, a pessoa que conserta o seu carro, a que o vende, seu vizinho de porta”, resumiu há alguns anos numa entrevista a este jornal. De volta ao México, foi professor na Universidade Veracruzana e continuou desenvolvendo o forte potencial comunitário implícito no trabalho artístico. Durante anos viveu em Tepito, um bairro violento da capital, e se envolveu nos trabalhos de reconstrução da zona depois do terremoto de 1985.

Cinema e experiência gastronômica no Brasil

Premiado com as prestigiosas bolsas Fulbright e Guggenheim e com parte de seu arquivo nas mãos da Tate Modern Gallery londrina, aceitou virar diplomata em 2001. Durante cinco anos foi adido cultural no Brasil do primeiro Governo mexicano não ligado ao partido PRI em quase um século. Mas ele não concluiu o prazo estipulado para permanecer no cargo. O Governo do PAN – a direita mexicana – o demitiu por ter aparecido nu no filme "Crime Delicado" (2005), do brasileiro Beto Brant.

Em seu período no Brasil, Ehrenberg desenvolveu, acompanhando a mulher Lourdes Hernández, uma extensa rede. Hernández cozinhava e Ehrenberg recebia os amigos-clientes na residência dos dois, a Casa dos Cariris, que se transformou num reduto para desfrutar a culinária mexicana em São Paulo.

Além da mulher, Ehrenberg deixa cinco filhos e 16 netos.

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