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Macron quer maioria parlamentar para superar divisões na França

Presidente-eleito conta com o aval de uma vitória taxativa, mas enfrenta um país dividido

Marc Bassets
Emmanuel Macron chega à sede do Em Marcha!, nesta segunda-feira.
Emmanuel Macron chega à sede do Em Marcha!, nesta segunda-feira.GONZALO FUENTES (REUTERS)

A solenidade do cargo, o peso da tarefa que tem pela frente, a herança densa das tradições e dos mortos começaram a recair nesta segunda-feira sobre Emmanuel Macron, eleito presidente da República Francesa neste domingo.

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O centrista Macon assistiu pela manhã ao ato comemorativo do Dia da Vitória de 1945, no Arco do Triunfo de Paris, junto com o ainda presidente François Hollande, do Partido Socialista, numa transferência de poderes extraoficial (a oficial será no domingo que vem). Em suas primeiras declarações, Macron indicou que sua prioridade, além de aplicar o programa pelo qual foi eleito, será consertar a fissura social e territorial que as eleições evidenciaram. Antes, deverá construir uma maioria nas eleições legislativas de junho para governar nos próximos cinco anos.

Os primeiros gestos de Macron após derrotar Marine Le Pen estiveram longe da arrogância que projetou depois da sua vitória no primeiro turno, em 23 de abril. Não houve triunfalismo, nem sinais de complacência. O presidente-eleito procura expressamente a gravidade no semblante e o ecumenismo na mensagem. Em seus dois discursos da noite eleitoral, um na sede de campanha, no XV distrito de Paris, e outro na esplanada do Louvre, em frente ao cenário do antigo palácio e da futurista pirâmide, Macron dirigiu-se aos mais de dez milhões de eleitores de Le Pen, líder do velho partido da extrema direita francesa, a Frente Nacional.

“Nos próximos cinco anos farei todo o possível para que [os eleitores de Le Pen] não tenham nenhuma outra razão para votar nos extremos”, disse.

À tarde, Macron deixaria a presidência do seu partido, o Em Marcha!, num gesto que salienta o caráter suprapartidário do cargo. Mais tarde, se reuniria com alguns colaboradores, entre eles o prefeito de Lyon, Gérard Collomb, e o deputado bretão Richard Ferrand, dois dos primeiros socialistas a aderirem ao seu movimento. Ambos figuram nos bolões de aposta sobre o futuro primeiro-ministro, entre uma dezena de outros nomes. O presidente-eleito, que tem uma ideia bastante clara de quem será o escolhido, ainda não o anunciou.

A vitória de Macron foi peremptória e mais ampla do que o esperado, com 66% dos votos válidos (20,2 milhões), contra 34% de Le Pen (10,5 milhões).

Com a exceção das eleições de 2002, em que o presidente Jacques Chirac derrotou Jean-Marie Le Pen, pai de Marine, com 82% de votos, nunca na V República um presidente foi eleito com tamanha vantagem.

Mas tampouco nunca, com a exceção do pleito de 1969, a abstenção e os votos brancos e nulos foram tão expressivos. Juntos, somam mais que Le Pen, quase 15,5 milhões.

Somando os votos na direitista e os não-votos, e levando-se em conta que uma parte dos eleitores de Macron estavam motivados não por suas ideias, mas pela necessidade de frear a FN, entende-se melhor a cautela de Macron em seus primeiros passos. O seu feito é extraordinário – o presidente mais jovem, sem um partido consolidado, com propostas na contracorrente de um espírito dos tempos nacionalista e populista –, mas o resultado contém uma advertência.

O mapa político está esquartejado, e a sociedade francesa, divida. O voto de adesão a Macron, o dos que realmente acreditam nele, é o da chamada França que ganha, a burguesia urbana, os adaptados à globalização, as pessoas com títulos acadêmicos e rendimentos elevados. O de Le Pen é o da França periférica, afastada das metrópoles, desligada das redes globais, cultural e economicamente alienadas da França que ganha.

A FN, exausta após três décadas tentando em vão chegar ao poder, ficou muito abaixo do que esperava. O mapa dos resultados de domingo é desolador: só ganhou em 2 de 101 departamentos. Talvez o partido se encaminhe para uma refundação, mas hoje pode se mostrar como a primeira força da direita, e isso não é pouco.

A batalha para as eleições legislativas de 11 e 18 de junho começou no domingo às 20h (hora local), quando foi anunciado o resultado do pleito presidencial. Os partidos assumem suas posições.

O FN e o França Insubmissa, do esquerdista Jean-Luc Mélenchon, querem se colocar como o principal partido de oposição a Macron.

Os socialistas estão divididos entre quem está disposto a aderir à base governista, quem defende acordos em iniciativas pontuais e quem promove, como Mélenchon, uma oposição frontal.

E Os Republicanos, o partido da direita tradicional, procurarão se redimir em junho da humilhação no pleito presidencial – a insólita ausência na rodada decisiva – e forçar Macron a uma coabitação com um primeiro-ministro conservador. Ao mesmo tempo, devem conter a fuga de líderes atraídos pela mensagem reformista do novo presidente, que coincide com o da centro-direita mais liberal.

A vitória de Macron questiona o eixo direita-esquerda. Ele defende que essa divisão é obsoleta, e que a verdadeira clivagem é entre progressistas e conservadores. Le Pen fala em globalistas e soberanistas. Outros, nos Republicanos e no PS, insistem em que direita e esquerda ainda são termos que fazem sentido. A reconfiguração do espaço político está em marcha.

 

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