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Coluna
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Será preciso lembrar Gilmar Mendes e colegas do conceito grego de epiqueia?

Quando em um país a letra da lei passa por cima dos anseios de justiça de toda uma sociedade é o direito que aparece comprometido e maltratado

Juan Arias
Ministro Gilmar Mendes durante sessão do STF em maio de 2017.
Ministro Gilmar Mendes durante sessão do STF em maio de 2017.Carlos Moura (SCO/STF)
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O magistrado do Supremo Gilmar Mendes e alguns de seus colegas parecem possuídos pela tirania da “letra” da lei, usada para livrar da cadeia os políticos, esquecendo-se do importante conceito clássico da epiqueia grega.

Não foi o homem moderno que inventou o direito. Para os gregos, e depois para os romanos, até nosso tempo, tão importante ou mais que a literalidade da lei é seu espírito. A epiqueia ensina os juízes, e há séculos, que em toda lei além da letra existe a sua alma.

De Platão a Aristóteles, passando por São Tomás, não existia a justiça sem o contrapeso da equidade. Hoje, o Dicionário da Real Academia Espanhola, em sua 22ª edição, define, por exemplo, epiqueia como “a interpretação moderada e prudente da lei, segundo as circunstâncias de tempo, de lugar e de pessoa”.

Se é assim, a interpretação moderna de epiqueia implica levar em conta o momento histórico e as vivências da sociedade. Não parece ser isso o que move alguns dos magistrados do Supremo quando usam a literalidade da lei para tirar da prisão certos personagens políticos do grande escândalo de corrupção investigado pela Lava Jato. Ou quando duvidam se um réu da Justiça pode ser candidato às presidenciais.

Parecem mais aprisionados pela letra que usam em um tom mais político que jurídico, sem se importar com o delicado momento que vive um Brasil em carne viva. Um Brasil que, uma vez mais, constata que a lei não é igual para todos.

Gilmar Mendes e outros colegas seus parecem sofrer vendo alguns políticos em prisão preventiva, acusados de crimes que ofendem e escandalizam a sociedade. Parecem, porém, interessar-se menos pelos milhares de presos pobres, sem advogados de luxo, que jazem durante anos, às vezes por pequenos delitos, amontoados em presídios desumanos, sem sequer terem sido ainda interrogados por um juiz.

Gilmar Mendes chegou a qualificar de “histórica” a decisão de tirar da prisão José Dirceu, que se arrasta pelos caminhos da corrupção política desde os tempos do mensalão e que segundo os juízes continuou perpetrando crimes mesmo estando preso.

Seria preciso perguntar à sociedade brasileira se para ela tal decisão, à qual podem se seguir outras iguais ou parecidas, é algo histórico ou está mais para uma decisão que ofende a sensibilidade de quem ainda acredita que a Justiça não pode ser somente um frio códice de leis, mas também, e sobretudo, a segurança de que existe para proteger a todos e não somente os poderosos.

Desde os pensadores antigos, passando pelos textos bíblicos, até os filósofos e magistrados de hoje mais bem conectados com a alma das pessoas, a lei mata, enquanto o espírito salva.

Quando em um país a letra da lei passa por cima dos anseios de justiça de toda uma sociedade é o direito que aparece comprometido e maltratado.

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