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Coluna
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Lições da eleição francesa

Perfis de candidatos que disputarão segundo turno no país europeu têm correspondentes no Brasil

Os candidatos Emmanuel Macron e Marine Le Pen disputam segundo turno das eleições presidenciais no dia 7 de maio.
Os candidatos Emmanuel Macron e Marine Le Pen disputam segundo turno das eleições presidenciais no dia 7 de maio.Christophe Ena / Bob Edme (AP)
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Capitalismo e guerra
Quem vem lá?!

O que os rumos tomados pelas eleições na França podem ensinar a nós, brasileiros? Talvez devêssemos parar por um momento para analisar o perfil daqueles que votaram em Marine Le Pen, a candidata da ultradireita, e por que a maioria preferiu o azarão Emmanuel Macron aos tradicionais representantes dos partidos de direita, François Fillon, e de esquerda, Jean-Luc Mélenchon. As eleições norte-americanas, que guindaram o arrogante e instável multimilionário Donald Trump à Presidência, já prenunciavam que algo, muito sintomático, estava ocorrendo no cenário político mundial.

A América Latina sempre reagiu em bloco aos eventos externos. Com uma economia dependente dos Estados Unidos e da Europa, ficamos à mercê dos humores daqueles mercados, que definem o interesse maior ou menor por nosso destino político. Quando um terremoto (simbólico) atinge o solo norte-americano ou europeu, o tsunami (simbólico) provocado pelos abalos atinge em cheio nossos países, causando o caos e levando-nos à ruína. A corrupção é, sim, um dado da nossa cultura, infelizmente, mas o desencanto com o exercício da política mostra-se, nesse momento, um fato comum a todos os continentes.

A apatia com que assistimos o desmantelamento do Estado brasileiro, por meio das reformas propostas pelo presidente não eleito, Michel Temer, e levadas a cabo por um Congresso em sua maioria envolvido em denúncias de corrupção, e, portanto, sem legitimidade para tomar decisões que mudam de forma significativa a vida dos cidadãos, essa apatia, insisto, é alarmante. Em um ano e meio teremos eleições presidenciais e todos os candidatos dos partidos tradicionais carregam a marca da imoralidade administrativa, abrindo espaço para os aventureiros e os radicais. Como na França...

O discurso de Marine Le Pen, assim como o de Trump, conseguiu grande aceitação no meio da classe média baixa, que teme perder seus empregos, e entre os desempregados. As ideias ultranacionalistas e xenófobas de Marine Le Pen frutificam por conta das incertezas econômicas individuais, que ela, habilmente, identifica com o medo coletivo proporcionado pelo imigrante, principalmente os islâmicos. Assim, seus seguidores elegem um único bode expiatório, que seria responsável, ao mesmo tempo, pela ocupação de postos de trabalho e pelo terrorismo. E, no vazio, surge Macron, o candidato que se define pelo que não é, “nem de esquerda, nem de direita”.

Com o afundamento do PT, que nasceu ostentando o baluarte da ética, na lama da corrupção, os partidos todos se igualaram em sordidez. A pior consequência disso é que, para o cidadão comum, fica a impressão de que a política tem como único objetivo servir como meio rápido e eficaz de enriquecimento ilícito, sem distinção de nomenclatura ou de ideologia. E, a partir desse raciocínio, não importa quem escolhemos para nos representar, na vida real não faz a menor diferença. E aqui reside o perigo: é na desesperança que prosperam os arautos do fundamentalismo e os aproveitadores de toda espécie.

Embora ainda bastante insondáveis, já que alguns dos mais importantes nomes podem se tornar inelegíveis até lá, o pleito de 2 de outubro de 2018 já mostra algumas tendências preocupantes, como o crescimento do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) e o surgimento, com força, do nome do atual prefeito de São Paulo, João Doria. Luiz Inácio Lula da Silva, que aparece em todas as pesquisas como imbatível postulante ao segundo turno, terá de se livrar, antes, dos vários processos em que é réu no âmbito da Operação Lava Jato.

Homofóbico e machista, Bolsonaro vem alicerçando sua pregação na intolerância, no militarismo nacionalista, na defesa da tortura e da pena de morte. Esse viés agrada aquela parte da população que subsiste atolada na ignorância e no fundamentalismo, achacada pelo desemprego e pela violência urbana. Como Marine Le Pen, seu potencial de votos é limitado, mas só o fato de existir espaço para a expansão de suas ideias já demonstra o fracasso do nosso sistema político, que não consegue atender as demandas da população. A opção pelo radicalismo é sempre a opção pelo confronto.

Já o crescimento do nome de Doria ocorre porque todos os naturais candidatos tucanos à Presidência da República estão envolvidos em denúncias de corrupção na Operação Lava Jato: os senadores Aécio Neves e José Serra e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Doria surpreendeu ao vencer, ainda no primeiro turno, as eleições para a Prefeitura de São Paulo. Ex-executivo, inteligente, polido, amável, sorridente, empreendedor – poderíamos estar falando de Doria, mas é assim que a imprensa internacional se refere a Emmanuel Macron, o provável novo presidente da França.

Esse quadro, desolador, é que desponta no nosso devastado horizonte.

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