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A legalização medicinal da maconha afeta seu consumo ilegal?

Estudo aponta que número de consumidores na ilegalidade aumentou mais nos estados norte-americanos que aprovaram o seu uso medicinal

Ativista pró-maconha ergue um ‘baseado’ durante recente manifestação em Washington.
Ativista pró-maconha ergue um ‘baseado’ durante recente manifestação em Washington.Mandel Ngan (AFP)
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Um estudo publicado recentemente pela revista JAMA Psychiatry mostra que o consumo ilegal da maconha aumentou, assim como os casos de abusos, nos Estados dos EUA que aprovaram seu uso medicinal. Para os autores do estudo, a simples aprovação da lei faria com que diminuísse a percepção social da droga como prejudicial, favorecendo o aumento de consumidores.

Por ser uma federação, os EUA permite que se façam experiências importantes sobre a eficácia das leis e da ação política. É o caso, por exemplo, da pena de morte, em que, para além do aspecto moral, foi possível observar a sua eficácia nula: nos estados onde ocorrem execuções, a média de assassinatos é igual ou até mesmo superior à daqueles onde a pena capital foi abolida. No caso da maconha, também pode-se fazer comparações e atestar, assim, o impacto de sua legalização.

Até os anos 90, o consumo da maconha era ilegal em todo o país. 29 Estados já legalizaram o seu uso medicinal e outros oito aprovaram seu uso recreativo. Como essas novas legislações afetaram o uso ilegal da droga?

O uso e abuso da cannabis aumentou quase 60% a mais nos estados que legalizaram o seu consumo medicinal. Esse é o principal dado a que chegou um estudo publicado recentemente pela revista JAMA Psychiatry. Entre 1991 e 2013, o consumo da cannabis cresceu 2,2% onde ele continua sendo completamente ilegal, enquanto aumentou em 3,6% nos estados que a legalizaram de alguma forma.

29 Estados legalizaram o uso medicinal da cannabis e outros oito liberaram o consumo recreativo

Os dados se baseiam em uma série de três estudos epidemiológicos sobre bebidas alcoólicas e outras drogas realizados em 1991, 2001 e 2013 pelas autoridades da área de saúde dos EUA. No seu conjunto, participaram 120.000 pessoas maiores de 18 anos. Os números totais do consumo da maconha nos EUA durante as últimas décadas mostram uma curva típica. Na última década do século passado, o consumo da droga caiu levemente. Desde que se iniciou o século XXI, porém, a curva se inverteu e não parou mais de subir.

Mas as curvas dos Estados onde a droga foi sempre ilegal são diferentes das daqueles onde seu uso foi legalizado no intervalo entre uma pesquisa e outra. Assim, quando a primeira pesquisa foi realizada (1991-1992), não havia nenhum estado em que fumar maconha fosse uma ação descriminalizada. O uso, então, era semelhante em todos os Estados. Destacava-se apenas a Califórnia. Talvez pelo fato de ser um Estado tradicionalmente mais liberal, ali o número de consumidores de cannabis era quase o dobro da média dos EUA, antes e depois da legalização.

As coisas mudaram na pesquisa de 2001-2002. Nessa ocasião, já havia seis estados onde o uso medicinal da maconha era legal, entre eles Califórnia e Colorado. Embora a média do consumo no país tenha diminuído, nesses estados ela se manteve estável. As diferenças são ainda mais flagrantes na pesquisa de 2012-2013, a mais recente que foi disponibilizada. Os autores do estudo mostram que nos Estados onde ela continua ilegal o consumo subiu 3,5%. Mas a taxa sobe para até 5% de crescimento em Estados como Massachusetts, Michigan, Montana e outros vinte que descriminalizaram o consumo medicinal neste século. Os percentuais são ainda mais elevados nos Estados pioneiros: 5,3% na Califórnia e 7% em Colorado, onde o uso recreativo da maconha já foi aprovado mais recentemente – em 2016 e 2012, respectivamente.

Em estados pioneiros na legalização, como a Califórnia e o Colorado, o aumento do consumo ilegal é duas vezes superior ao dos demais Estados

“Tanto na Califórnia como no Colorado houve um crescimento explosivo de distribuidores de maconha medicinal desde 2009. O estudo não consegue provar que essa seja a causa, mas se trata de uma possível explicação”, afirma a médica Deborah Hasin, professora da Escola Mailman de Saúde Pública da Universidade Columbia (Nova York) e principal autora do estudo. Embora o motivo das diferenças entre os Estados não tenha sido o objeto de sua pesquisa, para a pesquisadora, elas podem decorrer de mudanças na atitude em relação à droga, à percepção da cannabis como algo mais seguro, ou, inclusive, ao desvio ilegal da maconha dos distribuidores para traficantes.

Considerando os dados da amostra para todo o país, “a aprovação da legislação sobre a maconha medicinal seria a responsável por 1,1 milhão a mais de consumidores adultos da cannabis ilegal e cerca de 500.000 com transtornos devido ao uso abusivo”, concluem os autores do estudo. Para Hasin, essas leis podem ter beneficiado as pessoas que têm problemas de saúde, mas “mudar a legislação estadual, seja para uso recreativo ou medicinal, também pode ter efeitos negativos sobre a saúde pública”. A alusão feita por Hasin ao uso recreativo não é casual. Vários estados dos EUA, a começar pelos pioneiros no uso medicinal, planejam ou já aprovaram a legalização também do consumo da maconha pelo simples prazer de “puxar um fumo”.

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