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Legado discográfico de Prince está congelado

Um ano após a morte do artista, completada nesta sexta, os herdeiros se empenham em bloquear o lançamento descontrolado de novas canções do cantor

Diego A. Manrique

Foi anunciado na terça-feira o lançamento de seis novas canções de Prince. Bom demais para ser verdade: no dia seguinte, os herdeiros do cantor e compositor conseguiram retirar o tema principal, Deliverance, que estava disponível em serviços como iTunes e Apple Music; até algumas horas atrás, ainda podia ser ouvido no Soundcloud.

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Prince, em show no intervalo do Super Bowl 2007.Chris O'Mearaa (ap)
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Por trás do lançamento de Deliverance está o caribenho Ian Boxill, engenheiro de som que há 10 anos trabalhou com Prince nos álbuns 3121 e Planet Earth. Cabe imaginar que as disputadas canções inéditas sejam descartes dessas sessões, que Boxill armazenou disfarçadamente e concluiu por sua conta (e risco).

Também estamos perante à confirmação daquilo que temíamos: que o fabuloso legado de Prince ainda não está centralizado, nem catalogado, nem (muito menos) pronto para ser editado. As gravações do Homem Púrpura caem em dois grandes grupos: o material não editado, com centenas de canções (em muitos casos, divulgadas em deficientes versões piratas), e os discos já lançados. Dentro da segunda categoria está o bocado comercialmente mais apetecível, aquele que foi editado durante os anos oitenta pela Warner Bros. Records, quando transbordante criatividade do artista era correspondida com vendas milionárias.

Ainda há muito dinheiro em jogo: no ano passado, Prince foi o maior vendedor de música gravada nos EUA. Um fenômeno explicável, além do impacto emocional da sua morte, pelo fato de que, depois do falecimento, suas canções mais conhecidas apareceram com destaque em plataformas de streaming e lojas de venda digital. Em vida, Prince racionava drasticamente sua música, descontente com os escassos rendimentos do negócio digital; inclusive, era quase impossível encontrá-la no YouTube (depois da morte, com o consentimento tácito dos herdeiros, voltaram em avalanche os clipes e shows subidos por fãs desconsolados).

Por causa de sua tortuosa relação com a indústria, Prince é dos poucos artistas da primeira divisão cujo catálogo nunca foi revitalizado segundo as regras do marketing mais elementar. Não foi efetuado nenhum upgrade com o som ou o conteúdo de seus discos. Não houve edições remasterizadas nem discos com temas extras nem antologias imaginativas como as que seus seguidores confeccionam clandestinamente, tipo Prince Plays the Blues.

Desde que nos abandonou em 21 de abril de 2016, só podemos falar de duas novidades legítimas: o duplo 4ever, lançado em novembro, que é uma coleção de grandes sucessos com um tema inédito, Moombeam Levels, e a reedição de sua obra mais universal, Purple Rain. Prevista para 9 de junho, promete –pelo menos em sua versão deluxe– o acréscimo de dois álbuns de canções gravadas naquela época mais as filmagens de dois concertos.

Mas há incerteza no horizonte. Em 2014, ante o assombro geral, Prince fez as pazes com a Warner, a gravadora contra a qual se rebelou em meados dos anos noventa. O acerto lhe permitiria recuperar a propriedade dos discos editados entre 1978 e 1996, com a exceção das faixas sonoras. Até a transferência do controle total a Prince, a Warner poderia explorar esse tesouro com reedições e recopilações aprovadas pelo artista. O fato é que isso representava um esforço que, na prática, não vimos.

O fabuloso legado de Prince ainda não está centralizado nem catalogado nem (muito menos) pronto para ser editado

Em fevereiro de 2017, a gigante Universal anunciou ter firmado com os herdeiros um acordo milionário que cobria tudo o que fora lançado por Prince desde que se emancipara, em 1996, à parte –atenção– os discos mais apetitosos lançados pela Warner. Ou o comunicado à imprensa estava mal redigido ou alguém meteu os pés pelas mãos: não poderiam entrar no pacote as joias ainda de propriedade da Warner.

O fato é que Prince morreu sem testamento. Seus herdeiros poderiam ser quatro ou (à espera de decisões judiciais) até seis pessoas. Esses beneficiários não demonstram unanimidade em, por exemplo, aplaudir o trabalho de Charles Koppelman e L. Londell McMillan, dois veteranos do business discográfico encarregados de administrar o legado, e que foram os artífices dos contratos com a Universal e outras empresas.

Os herdeiros de Prince resmungam diante do porcentual (10%) reservado para os dois negociadores. Mas andam igualmente preocupados com a chegada de uma fatura da Fazenda que poderia alcançar cem milhões de dólares (315 milhões de reais). São mencionados projetos de médio e longo prazo: documentários, um filme biográfico, um espetáculo do Cirque du Soleil, musicais para a Broadway. Enquanto isso, é urgente investir em Paisley Park, a mescla de estúdios/local de ensaio/residência a sudoeste de Minneapolis; será o Museu Prince. Na entrada já se pode ver a urna que (supostamente) contém as cinzas do falecido. Essas coisas funcionam, insistem os organizadores.

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