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Coluna
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“EL PAÍS é dos poucos jornais que conseguem irritar a direita e a esquerda”

Dizer que um jornal consegue irritar qualquer ideologia só pode ser um elogio, afinal jornais sérios não precisam ser anti nada

Juan Arias

É positivo ou negativo um jornal irritar o poder? O leitor Rafael Santos comentou no Facebook deste jornal, na ocasião do prêmio José Couso à Liberdade de Imprensa concedido por colegas galegos de diferentes veículos de comunicação a Xosé Hermida, atual diretor da edição brasileira deste jornal: "O EL PAÍS é um dos poucos jornais que conseguem irritar a direita e a esquerda."

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Perguntei-me, ao ler, se se tratava de um elogio ou de uma crítica. A hermenêutica do texto e a definição de jornalismo me levam a crer que era um elogio. Se fosse uma crítica, diria que um jornal pode irritar uma ideologia, mas não outra, e nesse caso seria um boletim de partido e não um órgão de informação. Ou não deveria incomodar nem a direita nem a esquerda, já que um jornal não deve irritar o poder. Nesse caso estaríamos diante de um folheto de propaganda.

Dizer que um jornal como o EL PAÍS consegue irritar qualquer ideologia só pode ser um elogio. Bastaria recordar as várias definições de jornalismo. O próprio Hermida oferece uma ao comentar o prêmio: "proteger o direito dos cidadãos de se manterem informados sobre o que lhes diz respeito". É complementar àquela outra que reza "o jornalismo pretende contar às pessoas o que o poder tenta esconder" e de que tanto gostavam meus jovens alunos do mestrado de Jornalismo do EL PAÍS. Todas as definições sobre o jornalismo levam em suas entranhas a possibilidade de irritar o poder, seja da cor que for, seja governo ou oposição, que também é um poder.

Lembro-me, ao escrever esta coluna, de um caso que vivi aqui no Brasil quando ainda era correspondente. Foi no início do primeiro mandato de Lula. Tinha enviado ao jornal a notícia de uma proposta do novo Governo de conceder a propriedade dos barracos a todos os moradores das favelas. Isso significava transformar em pequenos proprietários milhões de famílias que viviam no anonimato, já que não tinham nem endereço postal. Para todos os efeitos, eram ilegais.

A notícia agradou tanto que houve especialistas em economia que analisaram a importância da decisão do Governo brasileiro neste mesmo jornal. Passado algum tempo, a redação de Madri me pediu para fazer um balanço de como estava sendo cumprida a promessa do governo e quantos favelados já tinham recebido a propriedade de suas moradias. Informei-me oficialmente e a resposta foi que o projeto estava andando muito devagar. E foi o que relatei. Pouco depois, um assessor do Planalto me telefonou para se queixar da minha informação. Era 2003. Em 2007, o Centro de Estudos da Sustentabilidade criticava a demora na implementação da proposta inicial do Governo Lula.

O poder, seja de direita ou de esquerda, não gosta de ser fiscalizado pelos meios de comunicação, nem que estes informem sobre seus tropeços ou sobre suas promessas não cumpridas. A sociedade, no entanto, como diz Hermida, tem o direito de ser informada. Por isso, acredito que o comentário do leitor de que este é um dos poucos jornais que conseguem "irritar a direita e a esquerda" quis expressar que somos o que um jornal plural e livre deve ser: capaz de tirar, se for preciso, o sono do poder ao ter de informar sobre seus tropeços ou sobre suas falsas promessas.

Um jornal, para sê-lo de verdade, tem de ser livre, plural e independente, já que, como acaba de escrever Carlo Alberto Di Franco no jornal O Estado de São Paulo, "sem jornais independentes a democracia não funciona".

Os jornais sérios não precisam ser anti nada. São a favor de tudo o que alimenta e faz crescer a democracia e o bem-estar de um país. Por isso, dentro de sua independência, também precisam saber reconhecer quando um Governo ou um político acerta, o que acontece cada vez que pensam mais no bem-estar de toda a sociedade, priorizando os mais fracos, do que em sua própria sobrevivência. Pode parecer pouco, mas o jornalismo é o grande divisor de águas entre a notícia e o boato, entre a veleidade e a seriedade da informação, sem jamais adular o poder, porque isso o próprio poder já sabe fazer muito melhor que nós.

Obrigado, Rafael, por nos lembrar disso com seu comentário.

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