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Thiago Alcântara: “Quero que os torcedores se divirtam”

Maior destaque do Bayern de Ancelotti, o meia espanhol fala sobre sua evolução antes do jogo contra o Real Madrid em Munique

Diego Torres
Thiago Alcântara, em Munique.
Thiago Alcântara, em Munique.Philippe Ruiz (RUIZ)

Thiago Alcântara forma um pequeno aglomerado humano de suores e sorrisos com Arturo Vidal e Douglas Costa, os três amontoados sobre a grama do campo de treinamento do Bayern, abraçados para comemorar um gol em um joguinho como se fosse a final da Champions League, ou como se fosse o desfecho de uma pelada na praia de Botafogo. Os bávaros os observam achando graça, porém rígidos. A América do Sul continua viva como um animal selvagem no coração de Thiago, meio espanhol, meio brasileiro. Sua formidável mistura de virtudes levantou a Bundesliga. Tem apenas 25 anos, mas, se o Real Madrid pretende passar para as semifinais da Champions, terá de neutralizar esse jogador, que faz a conexão entre todas as peças do Bayern. Fora de campo, ele se mostra bem-comportado e gentil, como esses professores de ciências aplicadas que perambulam pelo distrito de Freiheit nesta manhã de primavera.

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Pergunta. Você desfruta hoje do futebol mais do que nunca?

Resposta. Nunca mais desfrutei tanto do futebol como quando eu era criança. Mas é verdade que, como profissional, esta é a minha melhor temporada. Uma temporada de maturidade, de um pouco mais de responsabilidade. Sinto que vivencio mais, que ocupo um lugar importante dentro de uma equipe, e isso é fundamental para ter a confiança, não só do técnico, mas também dos colegas.

P. O Bayern é um dos clubes mais conservadores. Sua grande legenda, Franz Beckenbauer, foi idolatrado por retroceder 20 passos. Um driblador como você não se sente, aqui, um pouco estranho?

R. O futebol é uma linguagem internacional. Cada cultura tem uma forma diferente de vê-lo, mas um drible é um drible e um gol é um gol em qualquer lugar. O que eu mais quero, no futebol, é que os torcedores se divirtam.

Com Ancelotti é a liberdade, mais do que a estratégia ou a tática

P. O que os alemães mais gostam?

R. De gols.

P. Você já fez seis gols nesta temporada. Para um meio-campista, é um número de artilheiro. O mesmo que Silva e Rakitic, uma a menos que Pogba, quatro a mais que Verratti...

R. Você tem de ser inteligente para participar da finalização tendo de cuidar da armação. Quanto mais versátil você for, mais útil será para o time e para o futebol. O importante é ser útil. Posso me divertir, driblar, posso chutar... Mas, se não me sentir como uma parte fundamental, não tem sentido. O futebol não tem sentido se você faz o que faz saindo do banco de reservas. O importante é lutar para chegar a ser uma peça fundamental. Os títulos individuais são uma ilusão. O importante é o que você é para os seus colegas e os que eles são para você.

P. Não sente que na Alemanha não se valoriza o bastante o tipo de criatividade que você demonstra com a bola?

R. Pelo contrário. Meu futebol, aqui, se valorizou desde o primeiro dia porque era diferente. Aqui se valoriza muito jogadores como Ozil ou Kroos. Jogadores menos alemães, digamos assim. O futebol mais efetivo, para eles, sempre foi o futebol mais corrido, de contra-ataques. Mas a Alemanha é a atual campeã do mundo jogando de outra maneira.

P. As lesões deixam mais cicatrizes na mente do que nos joelhos?

R. Não. Essa cicatriz no joelho vai ficar comigo pelo resto da vida.

P. Até que ponto o medo de que a articulação não responda mudou o seu jeito de jogar?

Para mim, o futebol é uma diversão com responsabilidade

R. Não é medo... É que você precisa se preparar... Quando está bem, você se diz: ‘vou correr’, e sai correndo. Quando você teve lesões musculares, antes de correr você faz alongamento. Com as lesões, você aprende que há um trabalho de prevenção para evitá-las. E, quando volta, no primeiro jogo, quando entra... Se não acontece nada na primeira bola dividida, o que passa pela sua cabeça é: ‘Pronto, já posso enfiar a perna debaixo de um trator que não vai acontecer nada’.

P. Mazinho, seu pai, foi campeão do mundo e também sofreu com lesões no joelho. Ele disse que o futebol é um jogo e que o pior das lesões é que retiram um pouco do atrevimento necessário para jogar. Precisa se arriscar a perder a bola para ser você mesmo?

R. Os jogos têm de ser divertidos. E você precisa tentar fazer com que eles sejam divertidos. Eu sou competitivo por natureza. Por isso, tento torna-lo divertido à minha maneira. Para mim, o futebol é uma diversão com responsabilidade. Ele falou isso porque, quando a lesão acontece, você não pensa: ‘vou me divertir’. Você pensa: ‘vamos ver se consigo correr, ver o que acontece, ver o meu pique, ver como roubo a bola...’. Enquanto você não estiver funcionando de maneira natural, não vai conseguir desfrutar do jogo. Pode não haver mais nenhuma lesão, mas a sua cabeça demora a voltar a pensar como antes.

P. Ancelotti diz que você nunca erra um passe. Que, quando um passe seu dá errado, é culpa dos seus companheiros, que não viram a jogada como deveriam ter visto.

R. Antes eu achava que podia arriscar mais. Pensava: ‘aqui eu driblo e com certeza o passe vai sair certo’. E fazia isso. Hoje eu penso diferente. Digo: ‘vou fazer, sei que vou driblar, sei que o passe vai sair certo, mas será que tenho outra opção mais simples?’. Você vai adquirindo isso com o tempo. Você faz a escolha. Depende da região do campo. Você diz: ‘aqui eu tenho de driblar’. Mas isso não se raciocina. Vem naturalmente. Minha cabeça está mais rápida. Eu sinto assim. Meu futebol é assim. Tento antever as situações, antes que elas ocorram. Pode dar certo ou não, mas o bom de jogar no meio do campo é poder armar passes que criem oportunidades de gol, ou sair de regiões mais críticas de forma segura.

P. O que o surpreendeu em Ancelotti?

R. Ele não fala à toa. E se faz entender em todos os idiomas. Não fala muito, mas quando fala todo mundo o escuta e é como se tivesse algo importante a dizer. Além das conversas, das palavras e das brincadeiras que diz, ele consegue encontrar essa diferença entre ser treinador e ser uma pessoa que está com você todos os dias e te pergunta como você está, como anda sua vida. Ele teve jogadores de caráter difícil ao longo de sua carreira e todos falam bem dele. Isso é muito raro.

P. Qual a responsabilidade do técnico em seu bom momento atual?

R. Com Ancelotti é a liberdade. Mais do que a estratégia e a tática, é a liberdade e a confiança que um treinador pode passar. Eu preciso disso porque gosto de analisar a partida, ter um rigor tático, poder ler a partida. Ele te permite porque te fala quatro coisinhas para que você as interprete à sua maneira. Transmite que tudo é de todos. Que a culpa é de todos. Ele te dá a liberdade para que você possa ser responsável.

P. Ancelotti soltou mais a equipe após três anos de exigência intensa de Guardiola?

R. Os dois ganharam tudo como jogadores e treinadores. Têm a tranquilidade dos que sabem o que os jogadores pensam porque eles o foram. Mas têm personalidades diferentes. São excelentes treinadores com maneiras de ver o futebol completamente diferentes.

P. Como o Bayern mudou?

R. Vínhamos do 4-3-3 e passamos ao 4-2-3-1. Taticamente deu um pouco mais de liberdade a mais gente no meio campo. Agora temos um pouco mais de chegada. Arturo (Vidal) e eu podemos nos movimentar mais. Xabi Alonso, que é mais defensivo, permanece para fazer a saída de bola da defesa. Não sobe tanto, mas coloca a bola onde quer com o talento que tem.

P. Vidal disse que o Bayern precisa de Thiago para chegar à final da Champions. Mas que precisa dele para ganhá-la.

R. Ele é um fenômeno! Nunca vi uma capacidade física natural como a sua. Eu vi jogadores pararem um ou dois meses para recuperarem-se de lesões que ele supera totalmente em duas semanas. Isso se nota em campo. A presença de Arturo é muito importante para nós. Contribui muito. Contribui defensivamente. E talento com a bola ele tem: uma pessoa que marca o golaço que ele marcou contra o Benfica de bate pronto com a esquerda, tem que ter talento. É completíssimo.

P. E que tipo de jogador você quer ser?

Interpretar o jogo é como a interpretação de um filme: tem que ser o mau, o bom, o que morre e o que mata

R. Quero fazer o que estou fazendo até agora, mas ainda melhor. Quero ser parte importante de uma equipe. Acredito que estou conseguindo.

P. Seu talento lhe oferece muitas possibilidades. Na Europa somente Pogba pode ser volante, meia pelos lados do campo, meia por dentro… E, paradoxalmente, isso talvez só prejudique Pogba…

R. Eu também joguei como meia aberto!

P. Mas isso não gera confusão no momento de assumir um papel?

R. Interpretar o jogo, no final, é como a interpretação de um filme. Você interpreta o papel que o filme pede: precisa ser o mau, o bom, o que morre e o que mata. No final é se adaptar à situação. Se a equipe quer que eu seja isso, posso ser isso, ou outra coisa. Mas jamais renuncio a minha forma de ver o jogo e jogar porque não sei fazê-lo de outra forma. Ninguém sabe agir contra sua natureza. Mas a cabeça muda de acordo com a posição. Como atacante é preciso correr mais e chegar mais ao gol, quando você joga pelos lados do campo precisa olhar para poder cruzar e para que a defesa adversária ande mais para trás...

P. Com Guardiola no Bayern ocorriam muitas trocas de posição, até mesmo durante a mesma jogada. Existia uma grande mobilidade. As trocas eram permanentes. Isso não poderia confundi-los?

R. Isso é bom. Jordi Alba, campeão da Eurocopa e da Champions, jogou como meia aberto antes de ser lateral. Muda tudo. Quando um treinador te dá uma nova função, mesmo que não te agrade, se continuar executando-a tão bem quanto antes, é um passo a mais em sua formação. A versatilidade pode ajudá-lo a crescer. Com Guardiola a mobilidade era constante: Lahm passou da lateral ao meio campo, Javi Martínez passou do meio campo à zaga, Kimmich também. Agora não mudamos muito.

P. Às vezes, quando você protege a bola de costas, dribla quem vem pressionar por trás. Como sabe que um rival se aproxima se não o está vendo?

Não vi ninguém com o sentido de defesa nem o rigor tático de meu pai [Mazinho]. Estava sempre bem posicionado

R. Primeiro se trata de se orientar bem para poder ver os rivais. Outras vezes você nota a presença. É como quando você está em casa, estirado, e nota que alguém entrou. No campo é igual. Às vezes você vê, às vezes, sente, e às vezes se arrisca. Porque o futebol é um esporte de finta. Você sabe que a equipe rival pressiona e que vão chegar em você. Então você diz: ‘Eu é que vou enganá-lo’. Ameaça que vai para um lado e sai para o outro. Quase sempre funciona.

P. Muitas vezes você engana com a direita e leva a bola com a esquerda, com uma mudança de ritmo. A esquerda é fundamental para poder driblar?

R. Enganar com uma só perna seria complicado. Se você tem perna direita, bom, se tem esquerda, melhor. Ter as duas é fundamental para tudo: para finalizar, para passar e para roubar bolas. Um jogador ambidestro é uma mina de ouro para o jogo. Porque se eu quero driblar com a direita, a esquerda tem que ser muito forte e rápida para poder apoiar e sair. Mas você não pensa. As coisas vão acontecendo na base da prática. O futebol de salão dá muito espaço para os dribles, para a rapidez. A maioria dos brasileiros e espanhóis cresceu com isso.

P. Você viu seu pai jogar? Mazinho tinha um passe...

R. Com as duas pernas!

P. Ele foi um mestre do passe. Você quis evoluir além do passe, até a ultrapassagem nos últimos metros. Quando criança queria ser goleador?

R. É como em tudo: há pintores com filhos jogadores e jogadores com filhos pintores. É um processo evolutivo ou degenerativo. Talvez as gerações sejam piores que as anteriores. É verdade que meu pai é uma referência em tudo: como filho, pai, pessoa, jogador... Eu era amante do futebol e tinha um jogador de futebol em minha casa. Era alucinante. Além disso, tinha meu irmão Rafinha: um cara dois anos mais novo que eu e que também gostava de futebol. Juntou-se a fome com a vontade de comer. Quebrávamos pratos, janelas, cadeiras.

P. Mazinho também quebrava móveis?

R. Era impossível que meu pai quebrasse algo. Não era característica dele. Era confiável, porque meu pai era um sujeito sólido. Não perdia bolas, tinha um passe incrível e não vi ninguém com seu senso de defesa nem seu rigor tático. Estava sempre bem posicionado. Era ordenar e sobretudo transmitir a sensação; ‘Eu quero o bem de todos. Se vejo que alguém está mal, vou ajudá-lo ,e se tenho que ficar uma hora depois do treinamento para solucionar isso, vou ficar uma hora para fazer com que ele veja o que eu vejo’. Em nível tático, era incrível. Aprendi muito com ele.

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