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Coluna
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O beabá do machismo brasileiro

O crime bárbaro na praia de Boa Viagem e a necessidade de aprender, no currículo básico, a disciplina 'educação sentimental do homem'

Ato da ONG Rio de Paz contra o abuso sofrido pelas mulheres, em maio de 2016.
Ato da ONG Rio de Paz contra o abuso sofrido pelas mulheres, em maio de 2016.Tânia Rêgo (Agência Brasil)
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A gente ainda debatia o episódio de assédio protagonizado pelo ator global José Mayer, que reconheceu o erro grave e, depois de titubear, pediu desculpas.

A gente ainda comentava mais um festival de ofensas explícitas do capitão da reserva e político das cavernas Jair Bolsonaro contra negros, índios e mulheres.

A gente ainda mascava a polêmica nossa de cada dia e revirava o estômago ao checar a caixa de comentários, quando o comerciante Edvan Luiz da Silva, 32 anos, invadiu o apartamento da fisioterapeuta Tássia Mirella Sena de Araújo, 28, no bairro de Boa Viagem, no Recife. Edvan, segundo a Polícia Civil, arrancou a roupa de Mirella à força, estuprou e a matou a facadas. A manchete sanguinária ocorreu nesta quarta-feira, 5 de abril.

Edvan está preso sob a acusação de homicídio qualificado e feminicídio. Mais uma mulher morta por ser mulher. Ponto. Ponto e vírgula, para tomar um fôlego. Marcas de sangue indicaram o curto trajeto do autor do crime de volta para casa. O horror morava ao lado — o assassino era vizinho da moça.

Os laudos técnicos informam que a morte de Mirella foi causada por esgorjamento, corte profundo na parte da frente do pescoço. No país em que 13 crimes do gênero acontecem todo dia, é inevitável uma sentença: o machismo degola e mata. Não há hashtag que dê conta da barbárie.

Edvan era um desses caras conhecidos como “gente boa” ou “rapaz direito”. Casado, pai de um filho, dono de uma lojinha de cosméticos chamada “Uma linda mulher”, tal o filme com a atriz Julia Roberts.

Bem diferente da comédia romântica, o terror vivido em Boa Viagem não cabe em uma hashtag ou camiseta. Mirella morava sozinha havia quatro meses no mesmo edifício do comerciante. Não havia nenhuma proximidade entre os dois além da vizinhança imobiliária.

Somos todos machistas. A diferença é apenas na graduação de cada um. Tudo que se falar sobre isso, camaradas, ainda é pouco. Temos que ouvir e aprender diariamente. Se é cultura arraigada, vamos tentar reduzi-la ao museu dos costumes brasileiros. Não tentar é covardia.

O processo é lento — outro dia senti o quanto ao revisar minha trilogia sobre o tema. Do primeiro livro Modos de macho & modinhas de fêmea (crônicas de 1990/2002) ao volume Os machões dançaram (2015) o avanço ainda é tartarugoso. Pra cima com a cumeeira, pra cima com a viga, rapaziada.

Ao contrário do que pensam os homens e raríssimas mulheres do governo Temer, a questão deveria ser matéria escolar obrigatória. Currículo básico. Ao contrário do que berram os filiados da “Escola sem partido” e os liberais ao estilo Alexandre Frota, precisamos aprender esse bêabá da educação sentimental do homem.

Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de “Chabadabadá - aventuras e desventuras do macho perdido e da fêmea que se acha” (editora Record), entre outros livros. Comentarista do Papo de Segunda (GNT) e Redação Sportv.

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