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Guerra das Malvinas segue viva 35 anos depois: quase 23.000 ainda recebem pensão pelo conflito

Disputa militar de 1982 contra o Reino Unido mantém acesa a chama de uma reivindicação de soberania que é uma causa nacional

Federico Rivas Molina
Um veterano das Malvinas recorda seus companheiros mortos na guerra de 35 anos atrás, em frente ao memorial da praça San Martín, em Buenos Aires.
Um veterano das Malvinas recorda seus companheiros mortos na guerra de 35 anos atrás, em frente ao memorial da praça San Martín, em Buenos Aires.Telam
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Cresce a tensão entre Argentina e o Reino Unido pelas ilhas Malvinas

“Quem não salta é traidor!”, gritavam os argentinos nas arquibancadas durante o jogo da sua seleção contra o Chile, disputado em 23 de março no estádio do River Plate. Passaram-se 35 anos da guerra contra o Reino Unido pelo controle das ilhas Malvinas, e os argentinos não esquecem o apoio que a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) ofereceu a Londres durante o conflito. Por isso, sempre que podem recriminam os chilenos por aquela colaboração, e o futebol é um cenário habitual para a emergência de velhos rancores. Acontece que há poucas coisas sobre as quais os argentinos estão todos de acordo. E uma delas é assumir, como uma verdade sem matizes, que as Malvinas são argentinas. A partir daí se abrem múltiplos caminhos, mas não há dúvidas a respeito desse mantra que as crianças repetem na escola desde pequenos, e os grandes defendem como uma causa nacional. Os argentinos, seja como for, não se esquecem. Passaram-se 35 anos da guerra. As Malvinas continuam sendo Falklands nos mapas ingleses, e a diplomacia está em ponto-morto. Na Argentina restam a memória popular e o relato dos ex-combatentes, que são muitos. Hoje, 22.700 argentinos recebem uma pensão do Estado por causa do conflito – muitos deles eram ainda adolescentes durante a guerra. Mas, como se trata da Argentina, a cifra fornecida pelo ANSES (órgão estatístico oficial) não está isenta de polêmica. Por que 22.700, se 14.000 soldados passaram pelas ilhas?

Os veteranos das Malvinas recebem uma pensão honorífica desde 1988, quando uma lei estipulou que eram ex-combatentes todos aqueles que tivessem atuado no teatro de operações bélicas. Nesse momento enquadraram-se no benefício 14.000 homens, até que um decreto do ex-presidente Carlos Menem (1989-1999) o estendeu a outros 8.000. “Nas ilhas lutaram 14.000 homens, mas chegaram a 22.000 com Menem graças a um acordo com a Marinha, que pediu que fossem considerados veteranos os militares que estiveram embarcados perto do limite das 200 milhas”, que demarcava a área de exclusão bélica estabelecida pelo Reino Unido para a guerra no mar, diz Mario Volpe, presidente do centro de ex-combatentes da cidade de La Plata. O cadastro então cresceu, junto com as reivindicações dos ex-combatentes para que o Estado melhorasse sua situação econômica.

Foram os recrutas, aqueles chamados às fileiras depois de cumprirem o serviço militar obrigatório, que lideraram os protestos. O argumento era que, enquanto os militares de carreira continuaram recebendo seus salários depois da guerra, os conscritos foram imediatamente esquecidos, em meio ao caos político que se seguiu à derrota militar e à queda da ditadura, em 1983. Receberam a pensão de 1988 como um paliativo, mas foi só em 2004, com a presidência de Néstor Kirchner, que a política para os veteranos mudou de vez. O ex-presidente triplicou os valores das pensões (hoje equivalentes a três aposentadorias mínimas, ou seja, 19.000 pesos, ou 3.857 reais) e as declarou honoríficas, permitindo assim que fossem acrescidas dos benefícios da seguridade social, como o pagamento de subsídios familiares. Os veteranos receberam também vale transporte, acesso a empregos públicos e outras compensações extraordinárias.

Macri recebe veteranos das Malvinas na residência de Olivos.
Macri recebe veteranos das Malvinas na residência de Olivos.Telam

O grande debate agora é sobre quem merece ser considerado ex-combatente e até onde os militares, tendo levado os jovens a uma guerra que se sabia perdida, merecem ser reconhecidos como heróis. A presença do militar golpista Aldo Rico no desfile do bicentenário da independência, em 9 de julho do ano passado, gerou uma mistura de indignação e surpresa que deixou em evidência a extensão dessa fissura na sociedade. Rico marchou vestindo uniforme de combate, a bordo de um jipe, junto a outros militares de carreira que durante o kirchnerismo mal ousavam elevar a voz. Todos eles consideraram que a chegada de Mauricio Macri ao poder era uma oportunidade para reivindicar seu papel na guerra, e reativaram perguntas que circularam durante anos entre as dezenas de entidades que congregam os ex-combatentes.

No fundo, se trata de como escrever a história. Os militares que iniciaram uma guerra com o único objetivo de dar um ar político à ditadura merecem ser reconhecidos como heróis? Têm direito a compartilhar o panteão de honra com esses jovens recrutas enviados à frente sem equipamento e destinados, na maioria das vezes, a morrerem de frio? E o papel da sociedade argentina de 1982, que encheu a praça de Mayo para aclamar Leopoldo Galtieri, um ditador entusiasmado pela adrenalina, que não hesitou em gritar aos ingleses: “Se quiserem vir que venham, lhes daremos batalha!”? Setenta e quatro dias e 649 mortos depois daquela jornada na praça, os militares capitularam diante dos ingleses em Puerto Argentino – a denominação argentina para Port Stanley, a capital das ilhas. As respostas a essas perguntas ainda não foram escritas na história argentina.

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