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Congresso do Paraguai é incendiado após Senado aprovar reeleição presidencial

Tensão social dispara após noite de protestos e a morte de um jovem opositor pela polícia

Manifestantes protestam contra o presidente e o Congresso do Paraguai.
Manifestantes protestam contra o presidente e o Congresso do Paraguai.EFE

A tensão no Paraguai disparou, após uma noite de intensas manifestações contra a tentativa do presidente Horacio Cartes de reformar a Constituição do país para poder se reeleger e continuar no poder depois de 2018. Milhares de manifestantes foram às ruas e muitos invadiram o Congresso na noite de sexta-feira, atearam fogo no Salão Principal do edifício, atiraram computadores nas ruas e arrancaram as placas com os nomes dos senadores das portas de seus escritórios. Mais de 200 pessoas foram detidas, entre elas menores de idade, segundo o jornal Abc Color. Muitos ficaram feridos em confronto com a polícia paraguaia, que acabou matando um jovem opositor de 25 anos com um tiro de bala de borracha, que o atingiu no olho.

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Os manifestantes estavam acompanhados por legisladores do Partido Colorado e do Partido Liberal. A polícia disparou balas de borracha, e o presidente do Partido Liberal, Efraín Alegre, que se opõe à reeleição, ficou ferido no ombro. Entre gritos de “ditadura nunca mais” e “Cartes estuprador”, a tensão atingiu um nível sem precedentes nos últimos anos no Paraguai. Em frente ao Congresso, a batalha campal com a polícia durou horas. Cada vez que passavam, as viaturas policiais eram apedrejadas pelas pessoas concentradas na área.

Grande parte do Partido Colorado, da situação, deseja que o presidente conservador Horacio Cartes, um ex-empresário da indústria do tabaco no poder desde 2013, repita o mandato em 2018. Por sua vez, a Frente Guasú (esquerda) quer que Fernando Lugo, o ex-bispo e ex-presidente que foi destituído em tempo recorde pelo Congresso em 2012, volte a governar o país. Tudo muito previsível, com exceção de um detalhe: o artigo 229 da Constituição paraguaia, aprovada em 1992 após o retorno à democracia, estipula que os cargos de presidente e vice-presidente são “improrrogáveis” e que seus ocupantes “não poderão ser reeleitos em nenhum caso”. Isto levou a uma insólita aliança entre o Governo e seus inimigos da esquerda para promover uma reforma constitucional em que o Congresso terá a palavra final.

Na terça-feira, uma acalorada discussão no plenário terminou com gritos nos corredores do Palácio Legislativo de Assunção. Senadores de esquerda discutiam entre si, enquanto conservadores do partido Colorado se dividiam em duas facções: os da situação, que apoiam a reeleição de Cartes, e os dissidentes, que são contra. Tudo ocorreu num ambiente tenso. O Congresso havia amanhecido totalmente rodeado por policiais: caminhões com jatos d’água e centenas de soldados do batalhão de choque impediam a passagem das pessoas.

O presidente de Paraguai, Horacio Cartes.
O presidente de Paraguai, Horacio Cartes.EFE

De repente, sem aviso prévio, 25 dos 45 senadores se reuniram num gabinete da Frente Guasú, no interior do Congresso, com o presidente da Câmara ausente. E mudaram, com seu voto, o regulamento interno do Senado. Dessa forma, modificaram as atribuições do presidente da câmara alta para que não possa rejeitar o projeto de emenda, uma manobra defendida por “cartistas” e “luguistas” que agora permite a apresentação do projeto a qualquer momento. “Pode ser de imediato. A qualquer momento podemos ter que realizar um referendo, e existe campanha com Cartes e Lugo pedindo o sim à reforma constitucional”, disse ao EL PAÍS o escritor e analista político paraguaio Alfredo Boccia.

A Presidência e o Partido Colorado não se pronunciaram publicamente sobre o tema. Mas seus novos sócios se manifestaram. A Frente Guasú considerou a mudança no regulamento do Senado “um passo decisivo” para promover um referendo constitucional que permita a reeleição de qualquer ex-presidente”, segundo nota divulgada em 29 de março.

Os “anticartistas” do Partido Liberal, a segunda força nacional (depois dos colorados), convocaram uma marcha para denunciar um “golpe de Estado”. “É um golpe, com todas as letras. Não estamos de acordo. Vemos que convenceram Lugo a fazer algo que é inconstitucional. Como farão uma eleição democrática violando os regulamentos de forma tão grotesca?”, afirmou o senador do Luis Alberto Wagner, do Partido Liberal. “Cartes disse que não tentaria a reeleição, mas agora faz o contrário. É assim que a insegurança jurídica é transmitida a todos os setores, especialmente os empresariais. Um dano terrível, com 50 delegações do mundo todo na assembleia do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em Assunção”, disse Wagner por telefone, enquanto ocupava sua cadeira no Senado com medo de que realizassem outra sessão sem a sua presença.

Um projeto de emenda constitucional já foi tratado e rejeitado em agosto de 2016. Alguns paraguaios se mobilizaram para colher assinaturas contra a nova tentativa, mas não houve grandes manifestações públicas. A marcha realizada dia 30 reuniu no máximo 3.000 pessoas. “Se um novo projeto for aprovado no Congresso, ainda teremos o referendo, e as pesquisas indicam uma grande maioria a favor do não”, diz Boccia. A reforma, contudo, avança pelos corredores do Congresso e já conseguiu o impossível: unir colorados e “luguistas” em torno de um objetivo comum.

Um gurpo de manifestantes invadem o Congresso em Assunção.
Um gurpo de manifestantes invadem o Congresso em Assunção.Andrés Cristaldo (EFE)

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