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Lanchas abarrotadas: As novas cruzadas dos imigrantes da América Central rumo aos EUA

Todos os dias dezenas de migrantes e refugiados se lançam na costa do México em lanchas diante da pressão na rota migratória por terra

Barcos em Barra de San José, Mazatán, Chiapas.
Barcos em Barra de San José, Mazatán, Chiapas.Encarni Pindado
Jacobo García

“Que paguem os 8.000 pesos (400 dólares) e pronto”, determina o atravessador através de uma mensagem de áudio no WhatsApp.

“E se eles tiverem medo (...), que paguem para você. Se não, manda eles rodeando (por terra) e vai ser melhor para você”, sentencia, em uma segunda mensagem.

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A primeira conclusão é que, pelo tom utilizado, está claro quem é que manda. A segunda é que no negócio do tráfico de pessoas, não se barganha. Os preços são determinados pelo atravessador. Ponto final.

A cada ano transitam pelo México 400.000 migrantes e refugiados, principalmente da América Central, com menos de 60 dólares no bolso, que participam de um êxodo silencioso em direção aos Estados Unidos.

Uma parte utiliza o trem de carga conhecido como La Bestia. No entanto, há cada vez menos migrantes que se arriscam a subir no trem desde que o Governo mexicano, em uma peculiar medida humanitária, obrigou a aumentar a velocidade de 30 para 60 km/h, o que aumenta o risco de sofrer uma mutilação quando se tenta saltar sobre o trem.

Centenas deles encontraram uma alternativa na nova Bestia do mar. Lanchas abarrotadas de gente que passam diariamente ao longo da costa de Chiapas rumo ao norte.

O perigoso município de Ocós, na Guatemala, e a paradisíaca Mazatán, na costa de Chiapas, são os epicentros de uma indústria de migrantes que sai da Guatemala, passa pelo Istmo de Tehuantepec em direção a Veracruz e termina como mercadoria amedrontada em Tamaulipas, na fronteira com os Estados Unidos.

Pescadores em uma praia fronteiriça entre o México e a Guatemala
Pescadores em uma praia fronteiriça entre o México e a GuatemalaEncarni Pindado

“Por aqui saem ou passam umas três ou quatro lanchas por dia, com 15 ou 20 pollos [gíria para definir os migrantes] cada uma”, confirma Gabriel Ortega, vereador e mão direita do prefeito de Mazatán.

Salvadorenhos, hondurenhos e guatemaltecos fogem da pobreza e da violência das gangues por uma das tradicionais rotas do narcotráfico utilizando as velhas lanchas de pesca, agora com novos motores Yamaha.

Sentado em uma rede junto ao píer de San José, a poucos quilômetros de Mazatán (Chiapas), outro atravessador, hoje aposentado, faz uma pausa, ajusta o boné de beisebol, e recorda aquele dia de 2000, quando El Pelón, um conhecido seu, deixou se afogarem no mar 14 pessoas porque não queriam pagar, em uma das maiores tragédias de que se tem memória na região.

“Aqui são muitos os que vivem disso e já há alguns pescadores presos”, explica, enquanto balança na rede. O pescador sem dentes que durante tantos anos se dedicou a transportar os imigrantes da América Central, diz que o tráfico de pessoas é uma alternativa à pesca de mariscos ou camarão “porque o mar já não dá”.

Há nove meses, em frente ao mesmo cais onde bebe uma cerveja Victoria depois da outra, três crianças morreram quando uma lancha que levava 20 pessoas virou.

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Apesar de não haver números de vítimas ou de migrantes que viajam clandestinamente à noite por mar, trata-se de uma rota cada vez mais frequente diante da pressão em terra e o aumento das detenções e deportações. No ano passado, os Estados Unidos deportaram 96.000 desses migrantes, em comparação aos 147.000 do México, segundo dados oficiais.

“A rota permanecia oculta e era usada para o tráfico de drogas, mas nos últimos meses, se sistematizou como uma rota para transportar pessoas”, explica José Luis González, sacerdote jesuíta que trabalha com refugiados em Frontera Comalapa.

Por uma quantidade que varia entre 400 e 800 dólares – para os cubanos pode ser o dobro – essa rota permite aos imigrantes da América Central avançar da Guatemala até Salina Cruz ou Huatulco, em Oaxaca.

Assim evitam os seis controles migratórios mais duros do país, parte do cinturão policial que o Governo mexicano mobilizou no sul do país como parte do Plano Fronteira Sul, parcialmente financiado pelos Estados Unidos.

Ocós, território Zeta

Depois de várias voltas intimidadoras com a moto, finalmente o jovem com uma camiseta do Barcelona se aproxima. “Querem lancha para o norte”, pergunta. “Procurem por dona Beti. Ali, ela arruma lugar para vocês”, responde, apontando para um hotel miserável no fim da rua.

Ocós, na Guatemala, onde começa a indústria marítima do tráfico de migrantes, é um município limpo de 40.000 habitantes no Departamento de San Marcos.

Aparentemente é um aprazível destino de férias com uma rua principal que desemboca em uma praia espetacular.

É também um dos pontos estratégicos do cartel dos Zetas para a saída de drogas da América Central e para o abastecimento de embarcações com cocaína da Colômbia, um dos corredores mais importantes do narcotráfico mundial.

Embarcações em Barra de San José, Mazatán, Chiapas
Embarcações em Barra de San José, Mazatán, ChiapasJacobo García

Os Zetas não deixaram escapar um de seus negócios mais rentáveis, o tráfico de pessoas, e controlam uma cadeia completa de uma rota que começa nestas praias.

Mas não. A orgulhosa mulher não é fácil. Olha os jornalistas, desconfia e responde de novo: “Eu já disse, nós não fazemos isso”.

Três pessoas diferentes nos mandaram para ela para fazer a viagem por mar, mas ela está desconfiada. “Meu irmão é pescador e não se mete nessas coisas”. “E neste hotel nem sequer permito que se hospede quem não seja do México ou da Guatemala”, afirma, apontando para uma placa. Mas as pessoas de sua cidade acham outra coisa.

Nesta espelunca os migrantes da América Central – e também aqueles conhecidos como “exóticos”, asiáticos e africanos – esperam vários dias até que se formem os grupos de 15 para empreender a rota.

A travessia dura de seis a oito horas.

Na popa há dois motores de 120 cavalos. Na proa, 500 litros de gasolina em galões, e sobre os bancos, 20 migrantes atemorizados e curvados sobre um pneu semivazio que poderia servir de boia, cruzando o Pacífico à noite sobre enormes ondas prateadas.

“Essa gente sofre”, diz o miserável atravessador sem dentes e sem escrúpulos, olhando para o ponto na água onde as três crianças se afogaram em junho.

Os jornais daquele dia lembram que quando a polícia chegou ao local, encontrou um pai ajoelhado, chorando junto aos corpos de seus filhos. O resto da tripulação escapou por um matagal quando pisou a terra firme, e seguiu caminho para os Estados Unidos. Pobres traficados por pobres no sul de Chiapas.

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