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Um achado casual em uma fotocopiadora conduz ao ‘Nobel’ da matemática

O francês Yves Meyer ganha o prêmio Abel por desenvolver uma técnica que permite ver cinema digital

Manuel Ansede

Em um dia de 1984, o matemático Yves Meyer se encontrava na fila da fotocopiadora da Escola Politécnica de Palaiseau, perto de Paris. Um de seus colegas de edifício, um físico, estava imprimindo um estudo sobre uma nova técnica para decompor os sinais sísmicos complexos registrados nos terremotos. Meyer parou fascinado. Pegou o primeiro trem para Marselha para conhecer seus autores. Hoje, aquela técnica, a teoria de ondaletas, é uma das contribuições matemáticas que mais transformaram a sociedade: permite desmembrar imagens e sons em pacotes de informação mais simples que facilitam seu manejo. Graças às ondaletas podemos ver nosso pâncreas em um hospital, desfrutar de um filme digital ou comprimir nossas fotografias das férias em formato JPEG-2000. E, por desenvolver essa teoria, Yves Meyer ganhou nesta terça-feira o prêmio Abel, dotado com 675.000 euros (2,25 milhões de reais) e considerado o "Nobel" da matemática.

O matemático francês Yves Meyer, durante uma palestra
O matemático francês Yves Meyer, durante uma palestraCentre Henri Lebesgue

Meyer nasceu em 1939 e foi criado na Tunísia colonial francesa. Isso marcou seu caráter na hora de pesquisar. "Quando menino, era obcecado pelo desejo de atravessar as fronteiras entre os diferentes grupos étnicos", afirmou em uma entrevista em 2011. Quando se deparou na fotocopiadora com a teoria de ondaletas, ele era um matemático de 43 anos especialista em teoria de números, mas decidiu mudar de disciplina. Naquela primeira viagem a Marselha, conheceu Ingrid Daubechies, Alex Grossmann e Jean Morlet, três dos pioneiros das ondaletas. "Foi como um conto de fadas. Senti que, por fim, havia encontrado o meu lugar", explicou Meyer.

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A Academia Norueguesa de Ciências e Letras, que concede o prêmio Abel, aplaude em um comunicado o "papel-chave [de Meyer] no desenvolvimento da teoria matemática de ondaletas". O pesquisador francês combinou os estudos fundacionais observados na fotocopiadora com o trabalho do matemático argentino Alberto Calderón, pioneiro da análise harmônica. "Sentiu-se fascinado por esta relação inesperada entre teorias de natureza tão diversa. Em meados [da década de 1980] deu forma a esta interconexão, apresentando uma visão unificada da teoria", destaca em um comunicado o Instituto de Ciências Matemáticas (ICMAT), em Madri, onde Meyer foi membro do comitê científico.

O matemático francês, professor emérito da Universidade Paris-Saclay, faz um chamado aos grandes especialistas de qualquer disciplina para mudarem de campo de pesquisa quando tiverem esgotado o seu. "Não sou mais esperto que meus colegas com carreiras mais estáveis", diz. "Sempre fui um nômade, intelectual e institucionalmente", conclui.

A teoria de ondaletas é uma das contribuições matemáticas que mais mudaram a sociedade

Seus avanços na teoria de ondaletas também permitem a eliminação de ruído em sinais complexos. Por exemplo, em 2015 o trabalho de Meyer foi crucial na detecção pela primeira vez das ondas gravitacionais previstas pelo físico Albert Einstein um século antes. O experimento LIGO, realizado por dois observatórios nos EUA, foi capaz de captar a deformação do espaço e do tempo provocada por uma onda gravitacional formada pelo choque de dois buracos negros há 1,3 bilhão de anos. Em 23 de maio, Meyer receberá o prêmio em uma cerimônia com o rei Harald, da Noruega.

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