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‘Martinmania’, a última esperança da social-democracia europeia

O alemão Martin Schulz é escolhido, com o 100% dos votos, como líder do Partido Social-Democrata (SPD) e candidato a chanceler nas eleições de setembro na Alemanha

Luis Doncel
Martin Schulz, no congresso do SPD em Berlim onde foi eleito novo líder do partido e candidato a chanceler
Martin Schulz, no congresso do SPD em Berlim onde foi eleito novo líder do partido e candidato a chancelerOLIVER WEIKEN (EFE)

A martinmania se apoderou de Berlim neste domingo. Martin Schulz conseguiu o que recentemente parecia impossível: devolver o otimismo à social-democracia alemã. Sua figura era onipresente em cada canto do recinto onde o ex-prefeito de uma pequena cidade no oeste da Alemanha foi coroado como a grande esperança de seu partido para as eleições de setembro. Em plena crise da centro-esquerda europeia – cujo último episódio atingiu os sociais-democratas holandeses há apenas quatro dias –, Schulz se destaca e já encara de igual para igual a outrora invencível Angela Merkel. “Estamos de volta. É uma boa notícia para a Alemanha, para a Europa e para a democracia”, disse, num ambiente de euforia, o novo líder social-democrata alemão.

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Um grito de júbilo invadiu a sala quando foi anunciado que, com 100% dos votos válidos, Schulz havia sido eleito presidente do Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD). Nunca, desde a Segunda Guerra Mundial, o líder dessa formação centenária obtivera a unanimidade. No congresso da CDU (União Democrata-Cristã) de dezembro, a chanceler Merkel não chegou a 90%. Sigmar Gabriel, antecessor de Schulz como líder do SPD, teve de se contentar com humilhantes 74%.

Schulz se transforma assim na exceção europeia. Poucos líderes sociais-democratas do continente conseguem reunir ultimamente um recinto cheio de rostos sorridentes, aplausos desmedidos, assobios e gritos de alegria. O motivo era o congresso extraordinário do SPD, concebido única e exclusivamente para outorgar ao ex-presidente do Parlamento Europeu o duplo título de líder partidário e candidato a chanceler (primeiro-ministro) nas próximas eleições. As pesquisas, que no pior momento para o PSD prenunciavam o seu fim como partido de massas, agora apontam um empate técnico do partido de oposição com Merkel.

Vendo de Berlim, o panorama da social-democracia no resto do continente é desolador. Uma boa amostra disso foi dada por seu agora ex-líder. Em seu discurso, Gabriel comentou a possibilidade de que o independente Emmanuel Macron seja o próximo presidente da França, superando Benoît Hamon, o candidato oficial do Partido Socialista, teoricamente aliado do SPD. Mas os problemas da social-democracia não se limitam à França. Afundados na irrelevância na Grécia ou Holanda, imersos em lutas internas na Espanha e na Itália, e com possibilidades próximas de zero de reconquistar o poder no Reino Unido, o simples fato de não ser descabido pensar em Schulz como o próximo chanceler alemão já é por si só um bálsamo para uma família política que atravessa uma fase tão ruim.

“Ao hastear a bandeira da justiça social, Schulz conseguiu que os cidadãos que se sentem abandonados pela elite tenham uma alternativa aos populistas. Devolveu ao seu partido um discurso clássico social-democrata”, diz o cientista político alemão Hajo Funke.

O sucesso de Schulz ainda precisa ser corroborado nas urnas. Mas a mudança de tendência é inegável, com 13.000 novos filiados. Um homem que não concluiu o ensino médio e teve sérios problemas com o álcool conseguiu transmitir a ideia de que se preocupa com os problemas do cidadão médio, além de quebrar um tabu ao criticar os excessos da Agenda 2010, o programa de reformas impulsionado pelo último chanceler social-democrata, Gerhard Schröder.

Schulz também ataca com ferocidade os populistas anti-imigração do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), um grupo que vem perdendo fôlego por causa das suas lutas internas e da renovação na liderança social-democrata. “Não são uma alternativa, e sim uma vergonha para a República Federal”, clamou Schulz.

A convenção de domingo tinha todos os elementos de culto à personalidade – figuras de papelão do novo líder, propagandas colocando Würselen (a cidade com menos de 40.000 habitantes que ele governou nos anos 1990) em pé de igualdade com Nova York ou Londres e fotos do candidato com um cachecol do seu time, o F. C. Köln, que lhe conferiam o ar de cidadão comum que vai ao futebol todo domingo com os filhos. Tudo, em suma, girava em torno do novo líder. Essa cenografia contrastava com o ritual sombrio em que os sociais-cristãos bávaros oficializaram seu apoio a Merkel, num dia em que a candidata da família democrata-cristã custou a esboçar um sorriso.

Os sociais-democratas não querem cometer os erros do passado. Enviam à corrida eleitoral alguém que não está manchado pela ingrata tarefa de governar, e que portanto pode criticar com mais liberdade a chanceler Merkel e seu legado dos últimos 12 anos. E, diferentemente das duas últimas eleições, indicaram um homem forte ao mesmo tempo como líder do partido e candidato a chanceler, renunciando a uma bicefalia que nada trouxe de bom para o SPD na última década. Para isso, foi necessária a renúncia de Gabriel, o homem que pilotou o partido nos últimos sete anos e meio, um recorde absoluto desde os tempos do mítico Willy Brandt.

Mas pode-se explicar uma mudança de tendência tão brutal apenas por um novo rosto nos cartazes? Maren Wollter, recém-filiada ao SPD, tinha no domingo sua própria resposta. “Faz tempo que eu cogitava a ideia de me envolver mais na política. Trump nos EUA e Erdogan na Turquia fizeram com que eu me preocupasse com o afundamento da democracia. Mas a nomeação de Schulz foi o fator definitivo que me empurrou a entrar no partido”, dizia essa sindicalista de Bremen, em meio ao caos do congresso, enquanto mostrava orgulhosa o livro vermelho que comprova sua condição de militante social-democrata.

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