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Trabalhar bêbado ou drogado merece demissão? A Colômbia acha que não

Sentença da Corte Constitucional divide especialistas em legislação trabalhista

Francesco Manetto
Cada taça de vinho representa uma unidade de álcool.
Cada taça de vinho representa uma unidade de álcool.Matthew Mead (AP)
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É possível trabalhar drogado ou sob efeito do álcool? Uma polêmica sentença da Corte Constitucional da Colômbia protege os trabalhadores que conseguirem fazê-lo sem que sua rotina trabalhista ou produtividade seja afetada. A decisão acirrou paixões e dividiu os especialistas num país onde a produção e o consumo de cocaína voltaram a crescer nos últimos anos. O tribunal colombiano reinterpretou uma parte de um artigo do Código Trabalhista que explicita a proibição de “se apresentar ao trabalho em estado de embriaguez ou sob a influência de narcóticos ou drogas enervantes [sic]”. Por quê? Porque nem sempre essas substâncias entorpecem o desempenho profissional, argumenta a corte. A sentença aborda também uma reflexão que equipara a dependência a uma doença trabalhista, mas a retificação dessa premissa legislativa se deve ao fato de que “a proibição ali contemplada só se configura quando o consumo de álcool, narcóticos ou qualquer outra droga enervante afeta de maneira direta o desempenho profissional do trabalhador”.

A decisão começou a ser gestada no ano passado na Faculdade de Direito da Universidade Uniciencia, em Bucaramanga (norte da Colômbia). Dois alunos apresentaram um recurso de inconstitucionalidade apelando a uma questão de princípios. Segundo o escrito que enviaram à Corte, esse preceito do Código Trabalhista se chocava com dois artigos da Constituição. Um deles prevê a igualdade de todas as pessoas perante a lei e a proteção do Estado às pessoas que, por sua condição econômica, física ou mental, se encontrem em “circunstâncias de flagrante debilidade”; o outro artigo determina a igualdade de oportunidades para todos os trabalhadores.

O tribunal estabelece exceções para “atividades que envolvam riscos ao trabalhador, a seus colegas de trabalho ou a terceiros”. “Um exemplo disso é o que acontece com relação ao pessoal aeronáutico", diz a sentença, que no entanto esclarece que "igualmente, com relação a atividades que impliquem um menor risco, também pode-se exigir o cumprimento da proibição estabelecida na norma demandada, na medida em que seja do interesse legítimo do empregador que os trabalhadores prestem de maneira adequada os trabalhos contratados”. “Contudo, com relação a esses casos, não poderão ser tomadas medidas disciplinadoras se não ficar demonstrada por parte do empregador a incidência negativa que o consumo de substâncias psicoativas exerce sobre o cumprimento das obrigações dos trabalhadores”, conclui a sentença.

A sociedade colombiana, os especialistas e os políticos encontraram nessa decisão mais um motivo para polarização. Em conversa com o EL PAÍS, o constitucionalista Juan Manuel Charry defendeu a sentença argumentando que “o simples fato de estar sob os efeitos de uma substância não pode ser punível se não houver dano ou negligência de uma conduta”. Ele cita o clássico exemplo de um trabalhador que tome duas taças de vinho durante o almoço. “Não se pode sancionar alguém pela forma como é ou está, e sim pelo que faz”, diz.

Já Augusto Pérez, terapeuta e diretor da Corporação Novos Rumos, dedicada à pesquisa sobre dependências, discorda da decisão judicial, que para ele “tem consequências ruins para a sociedade”. Embora observe que a decisão não abrange só os casos de evidente embriaguez, ele a considera “perigosa para os próprios empregados”, já que estabelece um precedente duvidoso e dá “carta branca para que façam o que quiserem”.

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