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Democratas acusam Trump de criminalizar estrangeiros e virar defensor de Wall Street

“O presidente está nos devolvendo às épocas mais obscuras da nossa história”, clama, em espanhol, a mexicana Astrid Silva

Amanda Mars
Astrid Silva, ativista pelos imigrantes, ao rebater Trump.
Astrid Silva, ativista pelos imigrantes, ao rebater Trump.Alex Brandon (AP)

As duas Américas que se chocaram na eleição presidencial de 8 de novembro se manifestaram na noite de terça-feira através dos congressistas. O Partido Democrata, imerso em seu próprio ser-ou-não-ser, enfrentou o homem que os expulsou da Casa Branca, o republicano Donald Trump, com uma defesa fervorosa da imigração diante de um novo Governo ao qual acusam de fomentar a divisão entre os norte-americanos. A mesma oposição que também tratou de expor as primeiras contradições dele com relação ao establishment e à reforma sanitária. “Isso não é ser nosso defensor, é ser defensor de Wall Street”, cutucou Steven Beshear, ex-governador de Kentucky, um Estado trumpista.

A resposta dos democratas veio carregada de simbolismo: encheram o Capitólio de imigrantes e refugiados, e a réplica ao presidente não foi feita só por Beshear, mas também pela ativista pro-imigração Astrid Silva, de origem mexicana, que falou em espanhol no plenário. Chegavam lá, além disso, apenas três dias depois de nomear pela primeira vez um latino como líder do Comitê Nacional Democrata, Tom Perez. As congressistas, e também Silva, se vestiram de branco em homenagem às sufragistas e como repúdio às políticas trumpistas, que consideram regressivas contra as mulheres.

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“Estou aqui representando os democratas, os latinos e os 11 milhões de imigrantes indocumentados que somos parte integral deste país e constituímos os valores e a promessa dos Estados Unidos, os mesmos que o presidente Trump está ameaçando com seu plano de deportação maciça”, iniciou Silva, que é uma dreamer, como são chamados os jovens trazidos na infância para os EUA de forma irregular e que ganharam uma chance de legalização no Governo Obama.

A mise-em-scène tinha certos paralelismos com as convenções partidárias de meados de 2016 que coroaram Trump e Hillary Clinton como candidatos a presidente. Por um lado, o empresário nova-iorquino levou à tribuna várias pessoas para que narrassem seu relato de terem tido familiares assassinados por imigrantes irregulares, uma imagem que servia para equiparar os indocumentados a delinquentes; por outro, sua rival eleitoral exibia com orgulho aqueles que conquistaram seu futuro após entrarem no país de forma irregular. Silva participou dessa cenografia democrata.

“Trump está nos devolvendo às épocas mais obscuras da nossa história: criminalizando qualquer um que seja diferente, colocando-nos uns contra os outros e mandando uma mensagem equivocada ao resto do mundo, ajudando assim a fomentar o ressentimento e o ódio de grupos terroristas contra o nosso país”, enfatizou Silva.

A resposta democrata não permitiu vislumbrar uma mudança de estratégia em relação à campanha. Antes e depois das eleições, muitos analistas questionavam o posicionamento do partido, advertindo que, em seu argumento eleitoral, a mensagem racial – com a defesa da diversidade e das minorias – estava ofuscando seu posicionamento de classe – o papel de partido que represente os trabalhadores –, algo de que Trump se beneficiou. Mas, ao mesmo tempo, o dilema é enganoso, pois as estatísticas de renda e grupos sociais dos Estados Unidos traçam uma imagem muito clara: operário e minoria são dois conceitos parecidos.

“O sistema político está quebrado”

Foi Beshear quem tratou de colocar sobre a mesa as contradições do magnata nova-iorquino, que paradoxalmente chegou à presidência cavalgando um discurso antiestablishment e crítico a Wall Street. “Como candidato, [Trump] prometeu ser um defensor de quem luta para chegar ao fim de mês”, começou o democrata, para então afirmar que, contrariando suas promessas, uma das suas primeiras ordens como presidente consistiu em “dificultar a obtenção de uma hipoteca”, enquanto outra começa a reverter as regras que Obama criou após o colapso financeiro de 2008. Recordou ainda que o novo presidente nomeou vários pesos-pesados de Wall Street para sua equipe. “Isso não é ser nosso defensor, é ser o defensor de Wall Street”, cutucou ele numa mensagem transmitida de um restaurante de Lexington, em Kentucky.

O ex-governador também alertou que os republicanos “parecem decididos a eliminar o seguro [de saúde] acessível aos milhões de norte-americanos que mais o necessitam”, e denunciou que o plano para substituir o programa de saúde Obamacare reduzirá o número de cidadãos cobertos, “mesmo que digam o contrário".

Os democratas chegaram abalados a este primeiro discurso de Trump ao Congresso, com uma derrota eleitoral que não esperavam diante do candidato mais polêmico das últimas décadas. Mas também se apresentaram com a certeza de que a diversidade dos Estados Unidos não é reversível, e com a lembrança muito recente de terem colhido três milhões de votos populares a mais que o republicano, embora distribuídos geograficamente de uma forma que não lhes permitiu vencer no colégio eleitoral. Este é o dado sobre o qual precisam refletir para traçar seus novos rumos.

Num final surpreendente, usando uma mensagem similar à do esquerdista Bernie Sanders e do próprio Trump durante a campanha, Beshear disparou: “Nosso sistema político está quebrado, porque muitos líderes acreditam que não é problema deles. E eles precisam recordar que trabalham para nós”.

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