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Trump se afasta do compromisso com a criação de um Estado Palestino

Ao lado do premiê Benjamin Netanyahu na Casa Branca, presidente dos EUA diz que palestinos e israelenses devem “encontrar a paz por si próprios”

Jan Martínez Ahrens
Donald Trump e Benjamin Netanyahu na Casa Branca, na quarta-feira.
Donald Trump e Benjamin Netanyahu na Casa Branca, na quarta-feira.REUTERS

Um sonho antigo se afastou hoje do Oriente Médio. Donald Trump aproveitou a visita do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, a Washington para se desvincular de décadas de política externa norte-americana e abrir um novo ciclo. Na reunião, mais simbólica do que efetiva, o presidente dos Estados Unidos se distanciou da solução dos dois Estados e chamou palestinos e israelenses para “encontrar a paz por si próprios”. Uma maneira de deixar os palestinos na intempérie. Mas acima de tudo encarou seus inimigos. O primeiro deles, o Irã. Sobre esse ódio compartilhado os dois mandatários restabeleceram uma amizade que Trump prometeu não trair.

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Na Casa Branca, o que se viu foram dois políticos atravessando momentos complicados. Para nenhum deles é possível vislumbrar um futuro fácil, mas tampouco estão dispostos a dar o braço a torcer. Netanyahu vive acossado por escândalos de corrupção internos, sua projeção internacional está em declínio e seus adversários não param de crescer.

Mais problemático ainda é o caso de Trump. Sem ter completado um mês no cargo, governa a uma velocidade que já é perigosa e atravessou crises que em outras presidências levaram anos para tomar corpo. A última aconteceu na terça-feira, com a estrondosa queda de seu conselheiro de Segurança Nacional, Michael Flynn, muito pró-Israel, por suas ligações com a Rússia.

Machucados, mas ainda poderosos, os dois precisavam apertar as mãos e reencontrar um adversário comum com o qual exorcizar seus demônios. Esse papel recaiu sobre o Irã e, sem mencioná-lo, em Barack Obama. O presidente anterior é acusado de ter permitido a recente condena das Nações Unidas à acelerada política de assentamentos israelenses e, acima de tudo, o acordo nuclear assinado em 2015. Considerado pelo Governo democrata como um dos seus principais marcos, para Trump esse tratado é a quintessência do fracasso. “É o pior que já vi na minha vida”, chegou a dizer ontem o presidente dos EUA.

Apesar desta demonização, o acordo nuclear não foi denunciado. Nem Trump brandiu uma de suas propostas mais radicais: a transferência da embaixada dos EUA para Jerusalém. Como tantas outras promessas republicanas, acabou diminuída pela dura realidade. E essa foi provavelmente a maior surpresa do encontro com Netanyahu: ver um Trump sob pressão, comedido, sem delírios de grandeza. Alguém que pediu publicamente a Netanyahu “flexibilidade” para um pacto e que suavizasse “um pouco” sua política de assentamentos.

Foram concessões menores, destinadas a evitar incêndios em grande escala, mas que vieram acompanhadas de um giro que vai ter efeitos a longo prazo. A desvinculação de Washington do objetivo de dois Estados, um dos princípios orientadores da diplomacia norte-americana nas últimas décadas, abre a porta para a busca de novas fórmulas e satisfaz o setor mais duro do Likud. Um verdadeiro presente para Netanyahu, que Trump envolveu com um tom liberal: "Eles têm que negociar e chegar a compromissos. Vou aceitar o que decidirem. Posso viver com um ou dois Estados".

O presente não foi desperdiçado por Netanyahu, que rapidamente colocou o alvo no outro lado. “Não queremos rótulos, queremos substância. A fonte do conflito é a Palestina, eles se recusam a reconhecer o Estado de Israel e até mesmo ensinam a nossa destruição em suas escolas”, afirmou Netanyahu em um dos momentos mais ásperos da audiência. Dito isso, o primeiro-ministro de Israel traçou as linhas vermelhas para qualquer acordo: o reconhecimento palestino do Estado de Israel e a manutenção do controle do oeste do rio Jordão. “Não vou permitir a destruição de Israel”, sustentou.

Onde os dois líderes estiveram mais relaxados foi na tentativa de buscar uma “solução regional” para o enfrentamento. Um eufemismo para se referir ao esforço diplomático no qual embarcaram Israel e os Estados Unidos para que países predominantemente sunitas como Egito, Arábia Saudita e Jordânia participem de uma frente anti-iraniana. “Temos uma oportunidade histórica com os países da região para que não nos vejam como inimigos, mas como aliados”, disse um Netanyahu esperançoso. Terminada a conferência, ele e Trump levantaram voo como bons amigos. Do lado de fora, a tempestade esperava por eles.

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