Mulheres de PMs do Rio de Janeiro acenam com bloquear batalhões a exemplo do Espírito Santo
Porta voz da PM assegura que situação é "normal", mas reconhece ocupação de 27 unidades
O Estado do Rio de Janeiro, de 16,6 milhões de habitantes, amanheceu nesta sexta-feira com dezenas de mulheres acampadas em vários batalhões da Polícia Militar. O movimento, que imita o iniciado há uma semana no Espírito Santo pelas esposas dos PMs, vem se coordenando desde terça-feira e pretende bloquear o patrulhamento dos agentes nas ruas do Estado.
O objetivo é pressionar o Governo de Luiz Fernando Pezão (PMDB), que enfrenta o caos financeiro, para que garanta o pagamento e condições mínimas de trabalho aos cerca de 47.000 policiais militares do Estado. Os agentes ainda não receberam o salário de janeiro, nem o décimo terceiro, nem as bonificações que lhes correspondem pelas metas de produtividade e as horas extras trabalhadas durante a Olimpíada, em agosto. Em um aceno para aliviar a tensão, Pezão prometeu na terça-feira pagar a folha de janeiro no próximo dia 14 com um reajuste prometido já em 2014.
Mobilizados desde meia-noite, os familiares, por enquanto, não conseguiram a adesão esperada e cobravam mais mobilização dos demais parentes dos agentes. O bloqueio foi a saída encontrada para garantir que policiais militares, proibidos pela Constituição de fazer greve, deixem de prestar serviço. O Rio não parou, mas quase três dezenas de batalhões registraram protestos, enquanto em quatro deles, os policias foram impedidos de sair, conforme comprovou a reportagem. “Meu marido nasceu para ser policial, mas ele não tem condições para trabalhar assim. As viaturas não têm manutenção, os coletes a prova de balas estão vencidos, não tem mecânico, a qualidade do trabalho é zero”, reclama Paula, de 30 anos e mãe de dois filhos, que bloqueava o 16º Batalhão de Olaria.
Enquanto os grupos de WhatsApp das famílias ferviam com centenas de mensagens que registram boatos, petições de ajuda para conseguir suprimentos e até pedidos para engrossar as concentrações, o porta-voz da PM, Ivan Blaz, afirmava que estava tudo “normal” e as redes sociais da corporação divulgavam imagens de agentes trabalhando rotineiramente. "Neste exato momento, nós estamos tendo maior sensibilidade no serviço de alguns pontos aqui na Tijuca e também em Olaria. São os únicos pontos. O interior do Estado já foi completamente coberto [estão trabalhando], região metropolitana, Baixada [Fluminense]", garantiu Blaz no começo da manhã. A reportagem, no entanto, percorreu das 4h30 da manhã até as 10h a Avenida Brasil, a Linha Vermelha, a Rodoviária, o Sambódromo, entre outros lugares, e não viu viaturas circulando.
Horas depois, a Polícia Militar, afirmou, em nota, que grupos de parentes de policiais se concentram na frente de 27 batalhões do Estado, embora só quatro tenham sido efetivamente bloqueados. Nas unidades onde há bloqueio, as mulheres fazem a peneira de quem entra e sai do batalhão. Em um deles, Rose, de 52 anos, mãe de um policial, adotou uma tática inusitada. “Você aí, deixa eu cheirar seu cangote”, avisava aos PMs que por ali circulam. Com o teste, ela sabia quem estava com cheiro de banho e acabava de chegar para trabalhar ou quem já devia ir para casa. A senhora, óculos de sol, chapéu de praia e chinelinho dourado, está na porta do Coordenadoria de Polícia Pacificadora, no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio. Ela, e mais quatro mulheres, barraram cada policial que pretendia driblar sua barreira humana e sair para patrulhar. Os policiais não só agachavam a cabeça para a comprovação, como agradeciam o pequeno protesto liderado por Rose e acompanhado de longe por colegas de folga. Foi aí, onde dezenas de policiais fardados aguardavam de braços cruzados diante do batalhão, que um grupo de agentes tentou sair graças a escadas de cada lado do muro. O salvo-conduto foi prontamente abortado por Rose e sua colega Fátima. “Estamos cansadas de ver nossos filhos morrerem”, diz a líder.
Em alguns batalhões houve gritos e insultos contra os comandantes. A própria Rose enfrentou os chefes do filho que a alertaram de que qualquer morte, consequência da paralisação, seria atribuída às mulheres. Como estratégia para driblar os bloqueios, os responsáveis pelas guarnições inventaram diferentes maneiras para que os agentes saíssem dos quartéis. Da escada, em troca dos locais de rendição, a obrigar os policiais a pularem os muros. Fontes policiais explicaram à reportagem que esta é uma das principais diferenças do movimento no Rio e no Espírito Santo: no Rio, os soldados não contam com o apoio dos comandantes.
No 18º Batalhão, em Jacarepaguá, na zona oeste da cidade, um grupo de 15 mulheres teve que se desdobrar às pressas para impedir a saída de parte da guarnição. “Estão pulando o muro, estão pulando o muro!”, gritavam. Após rodear o recinto correndo, chegaram a um posto de gasolina onde um grupo de 15 soldados se dirigia a duas viaturas ali estacionadas. O grupo sentou na frente dos veículos e assegurou que dali não saía ninguém.
Ainda não é possível dimensionar os efeitos que os protestos vão ter na rotina de violência do Estado, já complicada em circunstâncias normais. Em 2016, 6.248 pessoas morreram vítimas de letalidade violenta, que inclui homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e homicídio em confronto com a polícia. São mais de 17 pessoas por dia.
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