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Queda de braço entre Governo e policiais prolonga crise do Espírito Santo

Governador acusou PM de fazer chantagem com a sociedade com paralisação. Polícia Civil para

Soldados circulam em Vitória em substituição a PMs.
Soldados circulam em Vitória em substituição a PMs.PAULO WHITAKER (REUTERS)

Em seu primeiro pronunciamento após o início da crise de segurança instaurada no Espírito Santo, o governador licenciado, Paulo Hartung (sem partido), classificou a paralisação da Polícia Militar de "chantagem" e "ato ilegal". Hartung, mesmo licenciado para tratamento médico, participou nesta quarta-feira de uma coletiva de imprensa. Ele comparou a situação vivida no Estado com a de um sequestro e deixou claro que não irá “pagar pelo resgate”. "Sequestraram o direito do povo e estão cobrando resgate, mas não se paga resgate por aspecto ético nem pelo descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal", disse.

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Desde sexta, mulheres e parentes de policiais militares fazem manifestações em frente aos batalhões da corporação impedindo a saída dos agentes em várias cidades. O movimento reivindica reajuste salarial dos policiais, congelado nos últimos anos, e o pagamento de auxílio-alimentação, periculosidade, insalubridade e adicional noturno. Uma reunião entre elas e representantes do Governo foi realizada na noite de quarta-feira, mas, após três horas, terminou sem nenhum acordo. A comissão de negociação reunia o chefe da Casa Civil do Estado, o secretário de Controle e Transparência e o secretário de Direitos Humanos, além de uma dezena de representantes do movimento. As mulheres dos PMs reivindicaram a anistia geral para os policiais e um aumento de 100% do salário da categoria. Uma nova reunião foi agendada para às 14h desta quinta-feira.

Segundo o governador, o aumento pedido pelos familiares dos policiais,  que inicialmente era de cerca de 43%, é inviável e não cabe no orçamento. Hartung calculou ainda que, para atender a reivindicação da categoria, o Estado teria que arcar com um custo de cerca de meio bilhão de reais. "Onde vamos arrumar meio bilhão para aumentar a folha da PM?", questionou Hartung, que frisou que o país vive uma das maiores crises econômicas e, por enquanto, o pagamento dos servidores estão em dia, diferentemente de outros Estados, como o Rio de Janeiro.

Segundo o Governo, a Polícia do Miliater do Espírito Santo está há quase quatro anos com os salários congelados. O último reajuste aconteceu em 2013. Durante esse período, a inflação acumulada foi de quase 30%. As mulheres dos policiais militares, no entanto, afirmam que a categoria não recebe u aumento há 7 anos.

Queda de braço

O Governo estadual também reiterou que só fará um acordo com o movimento das mulheres e familiares da PM quando os policiais militares voltarem às ruas. As mulheres dos PMs, no entanto, exigem o contrário: só irão deixar os acampamentos em frente aos batalhões quando conseguirem o reajuste pedido. "Estamos dispostas a negociar, mas eles precisam nos atender. Quantas pessoas mais irão morrer, mais duas essa noite?", reclamava Angela Souza , casada com um policial militar, que participava da reunião com representantes do Estado. Cleide de Oliveira - que também é esposa de um policial militar - lamentava o  que ela considera um descaso do Governo com o movimento. "O governador abandonou os seu eleitores. As pessoas que votaram nesse tirano estão pagando um preço alto", afirmou a jornalistas na noite de quarta-feira, no Centro de Vitória.  

Em meio ao impasse e a demora de uma resolução, a violência aumenta e a população continua vivendo dias de muito medo e incerteza com uma onda de assassinatos e roubos. Segundo o sindicato dos policiais, nos últimos cinco dias, já foram registradas 90 mortes violentas. O secretário de Segurança, André Garcia, não confirmou o número de ocorrências e afirmou que agora não é momento de fazer balanço. Ressaltou, no entanto, que desde a chegada de 200 agentes da Força Nacional, as ocorrências “despencaram”.

Segundo o governador em exercício, César Colnago, a prioridade no momento é reforçar a segurança com mais agentes. Nesta tarde, o ministro em exercício da Justiça e Segurança Pública, José Levi, autorizou o envio de mais cem homens para auxiliar no policiamento. O reforço no efetivo da Força Nacional deve chegar a capital capixaba na madrugada de quinta-feira.

O Governo estadual também publicou, nesta quarta, um decreto no Diário Oficial transferindo o controle da segurança pública do Espírito Santo para as Forças Armadas. O responsável pela operação será o general de brigada Adilson Carlos Katibe. A transferência de comando vale pelo período de 6 a 16 de fevereiro.

Polícia Civil faz paralisação

A onda de assaltos, no entanto, continua nas cidades do Estado. Na terça-feira, um investigador da Polícia Civil foi morto a tiros na região de Colatina, no Norte do Estado. Mario Marcelo de Albuquerque foi assassinado quando tentava impedir um roubo de uma moto. A morte do policial motivou uma paralisação da categoria, que decidiu suspender as atividades até a zero hora de quinta-feira. Nesta tarde, dezenas de policiais civis fizeram uma passeata pela cidade e chegaram a ir ao principal quartel da cidade de Vitória, onde manifestaram apoio ao movimento dos familiares dos PMs. A categoria também tem reivindicado melhoria do salário e não descarta uma greve. O sindicato dos Policiais Civis do ES fará uma assembleia nesta quinta-feira para decidir sobre a questão.

Pelo terceiro dia seguido, escolas e postos de saúde permaneceram fechados na região metropolitana de Vitória, mesmo com a presença do Exército nas ruas e a chegada de agentes da Força Nacional. O movimento de carros era pequeno e os ônibus continuavam sem circular na cidade. O comércio também estava com as portas fechadas, com exceção de algumas padarias e supermercados, que abriram durante uma parte do dia. Vários deles com muitas filas, já que há dias as pessoas não conseguiam achar um local aberto para comprar alimentos. “As pessoas estão com medo de sair e passando necessidade. Os arrombamentos continuam, eu mesmo vi um bando roubando uma joalheria”, conta o aposentado Alfredo Lisboa.

Em Vila Velha, na região metropolitana de Vitória, algumas pessoas passeavam na orla da praia da Costa durante a manhã. “Mas o movimento aqui está quase zerado comparado ao dias normais. Estou abrindo meu quiosque só até as duas da tarde, geralmente ficava até as 18h”, conta Ricardo que vende principalmente água de coco no local e tem contado com poucos clientes que animam sair de casa. O turismo na cidade diminui bastante nos últimos dias. Um funcionário de um hotel de Vitória, que preferiu não se identificar, contou que, nesta semana, dezenas de cancelamentos foram feitos inclusive para a época do Carnaval.

Durante a noite, as ruas de Vitória estavam ainda mais desertas. No trajeto entre a zona Norte e o Centro, a reportagem cruzou principalmente com  caminhões do Exército. "São 20h30, mas na verdade parece que são quatro da manhã. Essa cidade está muito estranha,  esse horário ainda era de rush antes desse caos, agora parece um cenário de guerra", disse o taxista Diogo que fazia a última corrida do dia. "Agora já é hora de ficar  em casa".

Mulher caminha na orla da praia da Costa em meio aos soldados.
Mulher caminha na orla da praia da Costa em meio aos soldados.PAULO WHITAKER (REUTERS)

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