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Romênia despenaliza por decreto diversos crimes de corrupção

Milhares de pessoas protestam contra a medida que elimina a pena de prisão em caso de danos inferiores a 150.000 reais

María R. Sahuquillo

A Romênia deu um passo na direção contrária a uma de suas prioridades nos últimos anos: a luta contra a corrupção. Na noite de terça-feira, de modo surpreendente, o Governo do Partido Social-Democrata (PSD) aprovou uma lei que despenaliza alguns crimes de corrupção e abuso de poder, caso tenham provocado um prejuízo não superior a 44.000 euros (cerca de 150.000 reais). Milhares de pessoas saíram às ruas à meia-noite para protestar contra a medida, sancionada por um decreto de urgência – o que significa que não deve passar pelo Parlamento. Enquanto isso, a Comissão Europeia expressou preocupação e alertou para o retrocesso causado pela norma.

Protesto contra a nova lei em Bucareste, na virada de terça para quarta-feira.
Protesto contra a nova lei em Bucareste, na virada de terça para quarta-feira.DANIEL MIHAILESCU (AFP)

O Governo social-democrata havia comentado sua intenção de reformar o Código Penal para abrandar as penas por corrupção. No entanto, a polêmica lei não estava na agenda de terça. Graças à normativa, o líder do PSD, Liviu Dragnea, indiciado num caso de abuso de poder e corrupção com danos estimados em 24.000 euros (82.000 reais) pelo Ministério Público, será eximido de qualquer responsabilidade. Dragnea, que liderou a campanha eleitoral vencida por seu partido em dezembro passado (com 45% dos votos), não pôde ocupar o cargo de primeiro-ministro devido à sua condição de indiciado. Em seu lugar, assumiu o quase desconhecido Sorin Grindeanu.

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O primeiro-ministro e seu gabinete argumentam que o objetivo da medida é lutar contra a “superpopulação dos presídios” romenos, mas os críticos acusam o PSD de formular a lei para perdoar seus políticos e aliados.

O Partido Nacional Liberal (PNL), principal legenda da oposição, apresentou nesta quarta uma moção de censura contra o Governo do PSD. O Ministério Público, o Conselho Superior da Magistratura e as associações de juízes também criticaram a lei, que solapa o sistema de Justiça. “Este é um dia de luto para o Estado de Direito, que recebeu um duro golpe por parte dos adversários da Justiça e da luta contra a corrupção”, afirmou o presidente do país, Klaus Johannis (PNL) no Facebook.

O decreto, que deve entrar em vigor dentro de 10 dias, será aplicado não só aos novos casos, mas também às investigações e julgamentos em andamento. A medida elimina a consideração de crime de negligência penal e suaviza o conceito de conflito de interesses.

“Essas medidas têm como objetivo exonerar todos os funcionários de alto e médio escalões: funcionários do Parlamento, membros do Governo; todos aqueles que podem aprovar leis, decretos e decisões locais”, declarou a chefe da Promotoria Anticorrupção (DNA), Laura Codruta Kovesi, principal estorvo do PSD há anos. “Desde a noite passada, cada dia representa um grande risco para o sistema judicial”, acrescentou, em entrevista à rede DIGI 24. A DNA investiga atualmente mais de 2.000 casos de abuso de poder e corrupção política. Além disso, segundo os dados da Promotoria, mais de 3.000 ministros, senadores, deputados, prefeitos e altos funcionários foram condenados a penas de prisão por corrupção desde 2010.

Manifestantes na capital da Romênia.
Manifestantes na capital da Romênia.R. GHEMENT (EFE)

O sistema de Justiça é uma das instituições sob a supervisão da União Europeia desde que a Romênia passou a integrar o bloco, há 10 anos. A Comissão anunciou recentemente que os últimos relatórios sobre o país indicavam um avanço, e que portanto estudaria a possibilidade de terminar com a verificação – à qual a Bulgária também se submete – que analisa se o país segue os padrões da UE. Com a nova medida, contudo, o anúncio sofreu um duro revés.

“O combate à corrupção deve avançar, não terminar. Estamos seguindo os últimos acontecimentos na Romênia com grande preocupação”, afirmaram em nota conjunta o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, e o vice-presidente do executivo comunitário, Frans Timmermans, definindo a nova lei como “muito preocupante”.

O Departamento de Luta Contra a Fraude (DLAF), organismo que serve de elo entre as instituições romenas especializadas e as da Comissão, afirmou que a reforma do Código Penal “restringe a capacidade de proteger de maneira eficaz os interesses da UE na Romênia”.

O Governo também enviou ao Parlamento um projeto de lei que propõe anistiar cerca de 2.700 condenados por crimes menores, incluindo os casos de corrupção, além de reduzir à metade as penas dos presos maiores de 60 anos, seja qual for o crime cometido.

Em Bucareste, mais de mil pessoas saíram às ruas nesta quarta para mostrar sua indignação com a reforma legal. Com bandeiras da Romênia e faixas que chamavam de “ladrões” e “corruptos” os integrantes do Governo e do PSD, os manifestantes protestaram contra a deriva do Executivo, que está há pouco mais de um mês no poder. “É inaceitável: ao invés de lutar contra a corrupção, o Governo faz todo o possível para que este seja um país mais corrupto. Tudo para que seus políticos culpados não sejam punidos”, diz a publicitária Roxana Damian, de Bucareste.

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