_
_
_
_
_
Roberto Sá | Secretário de Segurança Pública do Rio

Secretário de Segurança do Rio: “Aqui as facções se matam nas ruas. É a minha preocupação”

Roberto Sá fala da presença do PCC do Rio e que sua prioridade é cortar o fornecimento de armas pesadas

Roberto Sá, secretário de Segurança Pública do Rio.
Roberto Sá, secretário de Segurança Pública do Rio.Philippe Lima

O novo secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Roberto Sá (Barra do Piraí, 1964), deixa escapar, às vezes, que ele é “filho de ninguém”. Com a frase, ele não busca apenas esclarecer que está longe de vir de uma família nobre ou reafirmar que não teve padrinho político para chegar até aqui, mas retratar literalmente sua história de vida. Filho de mãe solteira, ela se suicidou quando Sá tinha apenas seis anos. Separado dos dois irmãos mais novos, ele foi criado de forma muito modesta em casas de parentes, até que entrou na PM com 18 anos. Nunca teve ninguém que lhe desse um tapinha nas costas, nem a quem ligar quando crescia na profissão. “Meu primeiro bolo de aniversário eu ganhei da minha sogra”, diz ele engolindo o choro. “Acho que nem ela soube da importância daquilo”.

Mais informações
“O Rio me deu condições de executar meu trabalho, mas agora está me tirando isso”
Maior facção criminosa do Brasil lança ofensiva empresarial no Rio
Família do Norte, a facção que fez a guerra entre o PCC e o Comando Vermelho
Sob pressão após massacre, gestão Temer lança plano de segurança

Aluno de escola pública, tenente coronel da Polícia Militar, capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope) e, depois, delegado da Polícia Federal, Sá substituiu em outubro seu amigo e chefe José Mariano Beltrame. Herdou um Estado em crise com índices de criminalidade em alta, com recursos cortados, a política das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP’s) desprestigiada e uma guerra entre facções e com a polícia que recrudesce. “Sem indicativo” de que os massacres acontecidos na primeira semana do ano nos presídios de Manaus e Roraima, que deixaram quase 100 mortos, possam se repetir no Rio, Sá reconhece que, ainda assim, está preocupado.

Pergunta. Quais os possíveis desdobramentos do massacre nos presídios de Manaus e Roraima no Estado do Rio? É motivo de preocupação?

Resposta. É motivo de preocupação, sim. Todo o sistema carcerário independentemente de qualquer problema que ocorra em qualquer lugar do país requer preocupação permanente. É um ambiente complexo, e infelizmente não tem condições dignas de tratamento que as pessoas que estão ai merecem. Por outro lado, minha Inteligência me informa de que não há indicativo, até este exato momento, de que no Rio de Janeiro exista essa possibilidade [de se repetirem os massacres] no sistema prisional. O próprio sistema do Rio, tendo três facções, já acautela os presos de forma separada. Nosso diferencial com outros Estados é que aqui eles se matam nas ruas, pela sua lógica expansionista. Essa é minha preocupação.

P. Então não há possibilidade de esse cenário que vimos no Amazonas e em Roraima se repetir nas cadeias do Rio?

Até o presente momento, a inteligência diz que nos presídios do Rio não há notícias de instabilidade o ponto de uma facção querer atacar a outra

R. Olha só, não estou dizendo que não há possibilidade, porque amanhã acontece e você vai dizer que o secretário disse que não aconteceria. Mas, até o presente momento, a Inteligência diz que lá dentro não há notícias de instabilidade a ponto de uma facção querer atacar a outra. O que existe, é fato, é a aproximação, para interesses comerciais, de uma facção de São Paulo [Primeiro Comando da Capital, PCC], que tinha uma relação comercial com uma das facções do Rio [Comando Vermelho, CV] e que, por desentendimentos ou calotes da vida, rompeu esse acordo e se aproximou de outra [Amigos dos Amigos, ADA]. Parece que também há um acolhimento recíproco dessas facções recém aliadas nos presídios, o que não significa um ataque aos outros.

P. O que significa para a Segurança Pública do Rio, a entrada do PCC, no Estado, com novos acordos comerciais de distribuição de drogas e armas e com o recrutamento de novos integrantes de facções do Rio?

R. Nos preocupa muito a questão comercial, porque não é somente a venda de drogas, que tem no mundo inteiro. No caso do Rio de Janeiro, o que mais nos incomoda é o caráter bélico com o qual eles comercializam as drogas. Essa facção de São Paulo, que tem muita capilaridade, é mais organizada e tem um poder aquisitivo alto, independentemente de com quem ela se associar, é ruim. Ela tem potencial financeiro para bancar armas e drogas. Mas também não é novidade, ela já tinha essa relação comercial com a outra facção [CV], só mudou de mãos. Essa mudança, até o presente momento, não significa que vai aumentar a rivalidade já existente entre as três facções que brigam no Rio.

P. O Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, disse que os massacres dos presídios não podem ser explicados pela briga de facções. Vimos também autoridades locais tirando o foco dos grupos criminosos. Por que as autoridades brasileiras se empenham em minimizar o papel das facções?

R. Eu não sei te dizer. Até porque eu estou reconhecendo que tem três grupos aqui que disputam posições para vender drogas em um confronto armado, uma guerra. A gente não faz questão de dizer que não existe. Nós não queremos glamourizar, nem ficar dando nomes porque eles têm que ser tratados como criminosos, mas aqui a gente entende e fala.

P. O Governo lançou às pressas um Plano de Segurança Nacional. O Rio de Janeiro, um dos Estados chave na conjuntura da segurança pública no país, foi consultado?

R. [O secretário ri]. Eu conheci o plano depois que recebi.

P. O senhor acha que esse plano vai dar margem de contribuição aos Estados, que convivem com conjunturas de violência diferenciadas, e cujos secretários de segurança foram convocados apenas para o dia 17?

R. Sempre tem quando se está disposto a ouvir, mesmo no desenvolvimento do processo. O plano pode ser aperfeiçoado ao longo do tempo, se houver disposição.

P. O senhor acha que essa proposta responde às cobranças de Beltrame e de tantos outros especialistas em Segurança Pública que sempre reclamaram da ausência de um Plano Nacional de Segurança?

R. Ela contem avanços importantes, como aproximar instituições, focar em áreas mais violentas, ajuda do Governo Federal no sistema prisional... Mas também acho que pode ser mais ousado e avançar mais. Na minha visão, Segurança Pública não é sinônimo de polícia. Um plano ousado não pode ficar no campo da polícia. Ela atua nas consequência e não pode ser responsabilizada por todas as mazelas sociais que é o que acontece no Brasil.

P.  Que medidas estão sendo tomadas no Rio para combater o crime organizado?

R. As medidas que nós estamos tomando não estão associadas ao que aconteceu nos presídios. Vou aproximar as inteligências e criei uma delegacia para investigar o tráfico de armas, principalmente as mais letais. Isso é necessário para a realidade do Rio de Janeiro, desde sempre, não é em função do que está acontecendo lá [no Norte do país]. Eu quero as polícias do Rio juntas 24 horas, cada uma com acesso as suas bases de dados, e compartilhando e trocando informação. É dificílimo, mas isso era uma diretriz da qual eu não abria mão quando fui assumir. É importante entender também por que chega um fuzil de forma tão fácil na mão de um traficante. Essa arma é a que confere ao criminoso essa ousadia de enfrentar à polícia como enfrenta hoje e de tentar tomar outro morro. No início da minha carreira, o tráfico acendia um rojão quando vinha a polícia. Se eu cortar essa linha de suprimento, eu vou diminuir a violência do tráfico. Vai continuar existindo, não vai acabar nunca, mas sem essa violência toda. Se eu ficar só apreendendo acabo valorizando o mercado negro.

P. Quais riscos existem na Segurança se o quadro financeiro do Estado continua como até hoje? O que pode acontecer se os policiais pararem de receber? Há possibilidade de a Polícia Militar cruzar os braços?

Nosso povo é violento, e sem a polícia, a gente vai experimentar momentos muito ruins. Eu espero não ver isso.

R. Se eles param de receber, que é algo que não aconteceu até agora [apesar dos atrasos e da falta do décimo terceiro], é algo que eu não consigo prever. Mas eu acredito que eles não vão parar de receber, o Governo do Rio tem priorizado a área de segurança, justamente porque é a última linha da barbárie. [Espero] Que as pessoas não experimentem viver sem polícia. Nosso povo é violento e, sem a polícia, a gente vai experimentar momentos muito ruins. Eu espero não ver isso.

P. Antes de ir embora, uma das preocupações de Beltrame era a possibilidade de delegar as UPP's a alguém que não acreditasse nelas. O que o senhor vai fazer para recuperar o projeto? Tem solução mesmo?

R. A radiografia é preocupante porque o crime vai buscando cada pequeno espaço que encontra para se estabelecer. As armas e munições continuam chegando e alguns presos que implantavam o terror na região acabam voltando. Assim não há UPP que dê jeito. Não pretendo diminuir uma UPP. E, na minha avaliação, só com a Polícia Civil se aproximando da UPP, trabalhando em sintonia, podem se favorecer prisões sem confronto, com mandados, e manter essas pessoas [os traficantes] mais longe do lugar.

P. Nesses tempos de ajustes e incremento da violência, o senhor é otimista sobre o futuro do Rio? Inclusive sendo seguidos caminhos utópicos como a descriminalização das drogas para sufocar o tráfico o seguinte problema seriam as milícias tomando conta dos territórios. É possível o Rio ser algum dia um Estado sem o domínio do crime?

O debate da descriminalização merece aprofundamento, é urgente, é para ontem.

R. Existe esse sonho futuro, mas não é algo a curto prazo. O Estado pode sim ser mais forte que o crime. Mas enquanto nós não resolvermos atacar algumas questões legislativas para definir muito bem o que queremos na nossa sociedade, esse sonho vai estar cada vez mais longe. Precisamos entender o que fazer com quem consome droga. Eu acho que é um problema de saúde que gera impactos na segurança, se não for bem tratado. Temos que ser duros no que diz respeito às armas de fogo, temos que ser duros no que diz respeito ao criminoso violento. O que fazer com um cara que foi pego com um fuzil no Rio de Janeiro? Para que ele quer um fuzil? Que sistema penitenciário queremos ter? O criminoso vai pagar pelo crime que ele cometeu, mas ele deve ser tratado com dignidade, mas vai ficar muito tempo lá. E o que que nós queremos para nossas crianças? A gente faz o que quando detectamos uma família desestruturada que não coloca as crianças na escola? Não estamos trabalhando no futuro das próximas gerações. Tampouco em quem já esta no crime, que volta rápido à sociedade, enquanto entupimos o presidio de criminosos patrimoniais. Sou favorável a medidas alternativas para presos menos violentos, sim. E a progressão do regime tem que ser para quem comete crimes pouco violentos. Agora, quem corta o pescoço ou queima o outro, ele tem que ficar 25 anos sem poder sair. É a consequência de algo gravíssimo. O tratamento a essa pessoa não pode ser igual a do quem rouba um relógio. E o debate da descriminalização merece aprofundamento, é urgente, é para ontem.

P. O senhor seria a favor da descriminalização?

R. Eu teria que ouvir os dois lados, ouvir argumentos a favor e contra. Mas do jeito que está não está funcionando. No caso do Rio de Janeiro, o que me atrapalha mais para me posicionar é a violência com que o tráfico atua. Porque descriminalizar, sem que isso seja trabalhado, não vai funcionar. Se regularizarmos a venda da droga e o Estado ocupar esse espaço, teríamos que analisar o que esse traficante vai fazer. Vai ser empregado do balcão do Estado para vender ou ele vai migrar para outro crime? É um problema de difícil solução. O Brasil precisa acompanhar as experiências mundo afora.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_