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Martin Scorsese: “A redenção está em toda minha obra”

Com “Silêncio” cineasta adapta para a tela o romance homônimo sobre jesuítas no Japão

Martin Scorsese, em dezembro passado em Nova York.
Martin Scorsese, em dezembro passado em Nova York.Victoria Will (AP)
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A Taiwan de Martin Scorsese
Na trilha dos jesuítas de Scorsese em Lisboa

Quando se fala de peregrinação religiosa, o caminho de Santiago ou o que leva a Meca costumam ser as rotas mais comuns. Mas para quem tem o cinema nas veias como Martin Scorsese, o caminho à redenção se chama Silêncio, que estreou no Brasil em 9 de março, o último trabalho de um diretor nascido em 1942 e criado no Bronx de Nova York no seio de uma família católica. O filme está baseado no romance histórico homônimo de Shusaku Endo sobre a perseguição ao catolicismo no Japão do século XVII. Um livro que o ex-coroinha e ex-seminarista, além de cinéfilo, levou quase uma vida inteira para levar às telas.

O autor de alguns dos filmes indies mais potentes dos anos setenta como Caminhos Perigosos e Taxi Driver, mas que acabou fazendo cinema dentro dos estúdios com Os Infiltrados (2006), Ilha do Medo (2007) e A Invenção de Hugo Cabret (2012) não explica claramente do que precisa se redimir. Só se notam seus 74 anos na dança dos óculos que tira e põe constantemente nesta entrevista, para olhar a jornalista. A energia de seu discurso permanece e sua memória, especialmente em tudo que se refere ao cinema, continua sendo prodigiosa. Embora, como esclarece, por mais conhecimento que possua, a busca continua.

Pergunta. A Última Tentação de Cristo, Kundun e agora Silêncio são escolhas que contrastam com a obra pela qual é mais conhecido, títulos violentos como Os Bons Companheiros ou Cassino.

Tráiler de 'Silêncio'.

Resposta. A introspecção pessoal não acaba nunca. É o que me levou a me preparar como seminarista. Porque dos 11 aos 17 anos tive um grande mentor, o padre Príncipe, que influenciou muito a minha vida. Queria ser como ele. Era fascinado por sua compaixão e firmeza. E sobretudo por sua dedicação. No entanto, a vocação precisa vir de dentro. Não vale querer ser como outro. Isso terminou com o seminário, mas não com a busca. A necessidade de redenção. Sei que a mistura de fazer cinema enquanto falo de redenção é algo que surpreende, nem todos entendem. Mas está em toda minha obra, sem resolução. De algum modo o momento que me aproximei mais da redenção foi com Touro Indomável, quando no final Jake LaMotta se olha no espelho e é capaz de se aceitar como é. E agora com Silêncio, filme que se transformou em minha peregrinação desde que o arcebispo Paul Moore me deu o livro de Endo, após ver A Última Tentação de Cristo.

P. Passaram-se quase três décadas. Por que demorou tanto em levá-lo às telas?

R. Há muitas razões. A primeira e principal é que não estava preparado para escrever o roteiro, não entendia o que realmente representa a apostasia. Mas também houve problemas legais e financeiros muito complexos. Voltava ao projeto a cada vários meses embora também tenha chegado o momento em que soube que tinha que viver minha vida: desfrutar de minhas relações, de minha família, do prazer de fazer outros filmes. No entanto, o projeto sempre esteve aí. E se tornou possível no dia em que Ang Lee me sugeriu que filmasse em Taiwan. Isso e cortar o orçamento até os 47 milhões de dólares (146 milhões de reais), para uma filmagem rápida de 72 dias.

“Com DiCaprio e De Niro filmei trabalhos que hoje acho impossíveis”

P. Quando soube que sua verdadeira vocação estava no cinema?

R. Graças a filmes como Sombras, em geral todos os de John Cassavetes, porque me mostraram que era possível fazer cinema de outra forma, fora dos estúdios, sem grandes gruas nem orçamentos. Um momento que coincidiu com minha expulsão do seminário. De algum modo essa paixão foi canalizada para o cinema.

P. Sente o peso de se chamar Martin Scorsese? O que se espera de seus filmes por serem seus?

R. Falam isso para mim! Eu só o visualizo quando chego ao estúdio, quando todos ficam quietos, o que agradeço porque as filmagens são lugares muito barulhentos por natureza e eu gosto do silêncio. Por isso não me queixo. Do resto, sempre tento fazer o melhor cinema que consigo.

“A música é a forma mais pura de arte”

P. Julgando pelo tanto que custou fazer Silêncio parece que agora é mais difícil que nunca montar uma produção.

R. Até certo ponto tive sorte. Apesar de que o comércio é mais importante, sobretudo em Hollywood, consegui fazer filmes arriscados graças aos atores que me apoiaram ou aos que apoiei em seus projetos. Intérpretes como Robert De Niro e Leo DiCaprio. Junto criamos trabalhos que hoje acho impossíveis. O ruim é quanto você quer sacrificar para filmar o filme que você quer. Tempo, dinheiro, família. No resto, com a tecnologia existente é possível encontrar a forma de expressar o que você quiser sem necessidade de muito dinheiro.

P. Para alguém que desfruta do silêncio é irônica sua paixão pela música, com projetos na mesa sobre Ramones e Grateful Dead além da fracassada série Vinyl e outros documentários sobre este meio.

R. Tudo vem da minha infância, de crescer no seio de uma família trabalhadora na qual não havia livros. O rádio e o cinema eram nossa janela. A música falou comigo de forma abstrata, embora emocional, estimulando meu intelecto. E nunca me abandonou. Para mim é, provavelmente, a forma mais pura de arte.

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