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A novela macabra da morte do embaixador grego no Brasil

Investigação no Rio aponta para um crime tramado pela esposa do diplomata e o amante Cúmplice declarou que a viúva ofereceu a ele 80.000 reais para acabar com Kyriakos Amiridis

María Martín
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Embaixador grego pode ter sido vítima de crime passional

A novela macabra que se tornou a morte do embaixador grego no Brasil, Kyriakos Amiridis, de 59 anos, já tem novos capítulos. Após uma investigação que correu contra o relógio na semana entre o Natal e o Ano Novo, a Polícia Civil do Rio começou a perfilar a complexa, e às vezes confusa, dinâmica do crime e seus três protagonistas, que tiveram a prisão decretada pela Justiça. O que segue é um relato do que supostamente aconteceu da segunda, dia 26, até esta sexta, segundo os depoimentos dos envolvidos: a mulher do embaixador, Françoise Amiridis, de 40 anos; o amante dela há seis meses, o policial militar Sérgio Gomes Moreira, de 29 anos; e um parente dele, Eduardo Moreira de Melo, de 24 anos (a polícia refiriu-se a ele como primo do PM, enquanto o juiz que decretou a prisão refere-se a ele como sobrinho do suspeito).

Na segunda-feira à noite, dia em que supostamente o embaixador tinha desaparecido, como sustentava Françoise, o PM Sérgio Moreira chegou à casa que o casal diplomático mantinha em Nova Iguaçu, na região metropolitana do Rio. Sérgio ia acompanhado de Eduardo, como registraram as câmeras do condomínio.

O PM, que foi descrito pela polícia como um conhecido da família que prestava serviços de segurança ao casal, diz que matou o embaixador depois de ter brigado com ele em função dos contínuos maus tratos que Françoise sofria por parte de Amiridis. Na briga, o diplomata teria lhe apontado uma arma, e Sérgio o teria asfixiado em legítima defesa. A tal arma de Amiridis não foi encontrada, o que fragiliza sua versão, segundo a polícia. Havia ainda manchas de sangue no sofá da casa do casal, o que faz da hipótese da morte por asfixia “altamente improvável”, segundo o delegado responsável pelo caso, Evaristo Pontes. O sangue apontaria morte com uso de faca, por exemplo.

A viúva, por sua vez, também afirmou que vinha sofrendo maus tratos. Segundo declarou à polícia, ela e o embaixador já não tinham mais “relação conjugal”. Em seus primeiros depoimentos, a embaixatriz disse que no dia do assassinato ela estava alheia à tragédia, pois passeava no shopping com a filha de 10 anos do casal. Mas depois reconheceu aos investigadores que, no dia seguinte ao crime, ou seja, na terça, dia 27, viu uma mancha escura no sofá de sua casa e questionou o amante sobre o que tinha acontecido. Ele, então, teria confessado o crime.

Françoise resolveu denunciar o suposto desaparecimento do marido no dia seguinte (28), fingindo não saber o que havia acontecido de fato com ele. Disse que ele havia saído de carro na segunda e desde então não dava notícias. E que não era a primeira vez que o embaixador saía e ficava mais de um dia sem dar satisfação. Desta vez, porém, ele não respondia a suas ligações.

Mas ela não foi sozinha à delegacia. A já viúva compareceu diante dos agentes com o PM Sergio ao lado e um advogado, o que deixou os investigadores em estado de alerta.

A partir da denúncia da embaixatriz e sob pressão da publicidade que o caso ganhou, os policiais começaram a procurar por Amaridis em hotéis e locais da Zona Sul que o embaixador frequentava a trabalho. Nada encontraram. Seguiram-se entrevistas com Françoise e com o policial e aparecem as contradições.

É aí que entra Eduardo, que se tornou um personagem central para desvendar a trama. Chamado pelo PM para dar suporte ao crime, o jovem, segundo a polícia, sentiu-se traído por Sérgio quando viu a polícia bater na sua porta. Acabou contando detalhes que ajudaram a desvendar o mistério da morte do embaixador. Eduardo admitiu ter ido até à residência do casal, e ajudado na morte do diplomata em troca de 80.000 reais prometidos por Françoise, que seriam pagos 30 dias depois do assassinato do marido. Ele acabou aceitando a missão, seduzido pela pequena fortuna que esse dinheiro significava para ele. Ficou com ele o papel de vigia enquanto o policial assassinava – a perícia ainda dirá como – o embaixador.

A mulher, disse ele aos policiais, chegou a ameaçá-lo de morte se dissesse uma palavra sobre o assunto. Françoise, no entanto, negou conhecer o cúmplice do seu amante, mas as informações dadas por Eduardo podem confirmar que se tratou de um crime premeditado, inclusive com a presença dela na cena do assassinato.

Durante a investigação, Sérgio afirmou que Françoise não estava em casa na hora do crime. Eduardo, porém, disse que ela entrou na residência com a filha por outro cômodo da casa, enquanto eles estavam na sala tentando embrulhar o pesado cadáver de Amiridis num tapete. Eles conseguiram, ainda segundo o relato que a polícia atribui a Eduardo, que a menina não percebesse nada, mas Françoise chegou a ir à sala e cobrado satisfação pela demora em resolver o assunto.

Após o suposto encontro dos três, os Moreira saíram da casa com o cadáver dirigindo o carro que o embaixador tinha alugado para suas férias familiares no Rio. As câmeras do condomínio gravaram a saída dos dois às 3h25 da madrugada. Sergio deixou o cúmplice na metade do caminho e continuou sem saber muito bem o que fazer. Segundo a polícia, o amante de Françoise, nervoso, resolveu esconder o carro com o corpo do embaixador dentro por cerca de 24 horas e só teria decidido queimá-lo no dia seguinte. A polícia, porém, não descobriu onde o carro teria ficado escondido.

Para queimar o carro com o corpo dentro, o amante de Françoise precisou de ajuda. Ele decidiu deixar o carro do embaixador nas proximidades do Arco Metropolitano, de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, um lugar ermo e isolado. Ele então ligou para um mototáxi. Ao chegar ao local, o mototaxista teria se assustado com o que viu. Sérgio, então, teria se identificado como policial militar e lhe dito que podia ficar tranquilo. Pediu então para ir a um posto de gasolina próximo para comprar combustível. O motorista foi até o posto e levou o militar de volta ao local onde o carro e o cadáver, no banco de trás, seriam queimados.

Agora, o mototaxista está sendo investigado. Ele chegou a dizer à polícia que teria tentado fugir do local, mas o PM tinha pego a chave da sua moto, obrigando-o a ficar para que o levasse embora dali após a queima das provas. Um morador de rua teria testemunhado a cena.

O caso, embora quase resolvido em tempo recorde, revela ainda muitas perguntas as quais a polícia terá 60 dias para responder (tempo que as prisões podem ser prorrogadas) e encerrar assim a investigação. Qual a motivação do crime, além do componente passional? Há dinheiro envolvido? Com qual justificativa o PM apareceu na casa da vítima? As câmeras gravaram os dois homens saindo da residência do embaixador de madrugada, mas a fita confirma a versão de Eduardo de que a viúva também estaria lá? Onde o PM escondeu por um dia o carro com o cadáver? E mais, no que pensava Françoise quando foi denunciar o sumiço do marido junto com o seu amante?

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