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EUA se abstêm em decisão da ONU que condena assentamentos israelenses

A abstenção reflete a queda de braço pelo controle da política externa entre Obama e Trump

O Conselho de Segurança da ONU reunido na sexta-feira, 23 de dezembro, em Nova York.
O Conselho de Segurança da ONU reunido na sexta-feira, 23 de dezembro, em Nova York.Manuel Elias (EFE)

Os Estados Unidos se abstiveram nesta sexta-feira diante de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que condenou os assentamentos israelenses em territórios palestinos. A abstenção, que permitiu a aprovação do texto, reflete o braço de ferro pelo controle da política externa entre o presidente cessante, o democrata Barack Obama, e seu sucessor, o republicano Donald Trump. Trump, coordenado com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, pressionou, sem sucesso, para impedir que a resolução fosse submetida à votação e para que, se isso acontecesse, os EUA a vetassem.

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As manobras de Trump contra seu próprio presidente aumentam a tensão ao redor da uma das mais complexas transferências de poder dos últimos tempos. A abstenção rompe com a tradicional posição dos EUA, que havia vetado esse tipo de resoluções.

A abstenção dos EUA foi a única. Os 14 membros do Conselho Segurança votaram a favor. O republicano Trump fez o possível para evitar a votação de uma resolução que condena os assentamentos israelenses nos territórios ocupados. Seus esforços tiveram êxito num primeiro momento e conseguiram adiar uma votação esperada para quinta-feira. Mas na sexta-feira, quatro países –Nova Zelândia, Venezuela, Malásia e Senegal–, voltaram a propor a resolução. O rascunho da iniciativa estabelecia que “os assentamentos israelenses em territórios palestinos, incluindo Jerusalém Oriental, não têm validade legal” (...) “e sua atividade deve cessar imediatamente”.

O texto que foi submetido à votação mantinha o pedido do Conselho de Segurança da ONU para que Israel interrompesse a atividade e a expansão dos assentamentos e advertia que a comunidade internacional não reconhecerá qualquer alteração das fronteiras estabelecidas antes da guerra de 1967 se não houver um acordo prévio entre as partes. A resolução pode abrir caminho para a imposição de sanções internacionais contra Israel.

“Não se podem defender os assentamentos e a solução dos dois estados [palestino e israelense]”, disse a embaixatriz dos EUA na ONU, Samantha Power, para justificar a abstenção. Power insistiu que a abstenção é coerente com a última oposição de Washington aos assentamentos e a defesa de uma solução ao conflito que envolva dois estados.

A votação aconteceu depois de 24 horas de xadrez diplomático, não entre os EUA e outros países, mas entre os dois líderes que convivem nos EUA desde as eleições de 8 de novembro e até que Trump tome posse, no dia 20 de janeiro.

O presidente eleito surgiu na quinta-feira no cenário internacional para pedir ao presidente democrata que vetasse a proposta de resolução ao Conselho de Segurança. Poucas horas antes de ser submetida à votação na tarde de quinta-feira a iniciativa original do Cairo, telefonou ao presidente egípcio Abdel Fatah al Sisi, que pouco depois ordenou a retirada do texto.

É inusual que um presidente eleito –ou seja, um cidadão sem cargo público que ainda não tomou posse– aja por conta própria em política externa, telefonando para líderes estrangeiros e permitindo-se pressionar seu próprio presidente. O Oriente Médio é um dos pontos de atrito na política internacional entre o atual presidente e o presidente eleito.

Das reações com a Rússia até a política com relação à China, Cuba, ou a doutrina nuclear, Trump tem demonstrado o desejo de romper não só com Obama, mas em alguns casos, com décadas de continuidade, democrata e republicana. De sua mansão em Palm Beach (Flórida), com seus telefonemas e mensagens na rede social Twitter, o presidente eleito está colocando em marcha sua presidência antes de tomar posse oficialmente. Enquanto isso, Obama passa as férias de Natal em seu Havaí natal e evita as declarações públicas.

O desta semana, não é o primeiro atrito. Uns dias antes, quando foram publicados novos detalhes sobre a interferência da Rússia a favor de Trump durante a campanha, Trump desclassificou os espiões americanos para desculpar o presidente russo, Vladimir Putin. As boas intenções de cooperar com Obama nos dias após sua vitória do dia 8 de novembro desapareceram.

Até agora, as divergências tinham se restringido a um nível retórico. Pela primeira vez, o futuro presidente intervém diretamente, para tentar torpedear a política externa, nas funções que legalmente ainda são desenvolvidas pelo presidente Obama. Faz isso, ademais, em um dos campos minados da diplomacia dos Estados Unidos, uma região, o Oriente Médio, em que cada movimento da maior potência mundial está sob suspeita e que cada movimento é medido milimetricamente.

O relacionamento de Obama com Netanyahu também foi complexo. Obama preservou e fortaleceu o compromisso dos EUA na ajuda militar. Ao mesmo tempo, eles se enfrentaram pelo acordo nuclear com o Irã, que contava com a oposição de Netanyahu, entre outras razões.

Na campanha, Trump se cercou de conselheiros como Steve Bannon, próximos aos movimentos da direita radical que agitam o antissemitismo. E ele mesmo agitou em seus discursos os temas do antissemitismo mais rançoso, como as teorias sobre conspirações inventada por banqueiros e financistas sem pátria, para desqualificar sua rival, a democrata Hillary Clinton.

Ao mesmo tempo, usou uma retórica agressiva sobre o conflito entre israelenses e palestinos, ou Irã, que agrada Netanyahu, e que foi interpretado como uma mudança brusca na posição dos EUA, que nas últimas décadas tentou preservar o papel de intermediário no conflito.

O paradoxo é que na discussão sobre a resolução da ONU é Trump quem está alinhado com a postura tradicional dos EUA – o veto às condenações aos assentamentos – e Obama que rompeu com esta tradição.

Abandonado pelos EUA

O governo israelense afirmou suspeitar que a administração do presidente Barack Obama agiu em coordenação com a liderança palestina para promover a resolução que condena os assentamentos. Um ministro israelense próximo a Netanyahu, o da Energia, Yuval Steinitz, disse ao Canal 2 da televisão israelense que “não se tratava de uma resolução contra os assentamentos, mas de uma resolução contra Israel, contra o povo judeu e contra o Estado judeu”. “Os Estados Unidos abandonaram seu único amigo no Oriente Médio”, afirmou. Um alto funcionário chegou a acusar Washington de ter organizado uma “emboscada vergonhosa” no Conselho de Segurança nas costas de Israel que iria acabar dando asas “ao terrorismo e ao boicote”, de acordo com a Reuters.

O embaixador de Israel na ONU, Danny Danon, tinha suplicado antes da votação via Twitter: “Pedimos aos Estados Unidos que fiquem conosco”. Após conhecer a abstenção de Washington, apenas expressou sua confiança de que o novo Governo dos EUA possa melhorar as relações entre os dois países.

Cerca de 600.000 colonos se instalaram há quase meio século na parte oriental de Jerusalém, anexada pelo Estado judeu, e em mais de duas centenas de colônias espalhadas por toda a Cisjordânia sob ocupação militar israelense. Depois dos Acordos de Oslo de 1993, o Exército exerce pleno controle sobre 60% do território da Cisjordânia.

O primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, recorreu a Donald Trump diante do silêncio aos seus pedidos de veto na Casa Branca e no Departamento de Estado. O presidente eleito é considerado como mais favorável a Israel do que Obama após prometer durante a campanha eleitoral que ordenará a mudança da Embaixada norte-americana de Tel Aviv a Jerusalém, uma decisão que pode desencadear uma onda de instabilidade no Oriente Médio. Trump também nomeou como embaixador o advogado judeu David Friedman, próximo à ultradireita nacionalista israelense e partidário da anexação dos assentamentos.

O futuro presidente dos Estados Unidos defendeu diretamente na quinta-feira que Washington deveria usar seu veto para bloquear a proposta contra os assentamentos, já que, argumentou, “colocaria Israel em uma posição muito frágil para negociar (...) a paz não virá pelas imposições da ONU”.

Netanyahu cancelou na quinta-feira sua agenda oficial após ser surpreendido pelo anúncio de uma votação no Conselho de Segurança e organizou uma mobilização diplomática em grande escala. O primeiro-ministro israelense já havia expressado diversas vezes seu temor de que Obama pudesse deixar de vetar uma resolução que condena as colônias após as eleições de novembro, que deram a vitória ao republicano Trump, mas não esperava que isso fosse ocorrer imediatamente.

Um porta-voz do presidente palestino, Mahmud Abbas, disse que a votação significou um sério revés a Israel e mostrou o “forte apoio à solução de dois Estados na comunidade internacional”. “Foi um dia histórico na luta palestina contra a colonização e uma vitória de direito internacional”, concluiu o secretário geral da Organização para a Libertação da Palestina, Saeb Erekat.

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