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UE se preocupa ante crescente influencia de Rússia em seu território

A propaganda e o financiamento de partidos levam a mensagem russa aos países europeus

Lucía Abellán
Manifestantes protestam contra Putin
Manifestantes protestam contra PutinSTEFFI LOOS (AFP)

Os muçulmanos estão atacando as árvores de natal na Suécia e as autoridades consideraram proibir a instalação de luzes natalinas. A Finlândia retém os filhos de russos que vivem no país nórdico e desejam retornar à Rússia. A Ucrânia está infestada de nazistas que estão apenas esperando que o visto para viajar não seja obrigatório para invadir a União Europeia (UE). Toda a Europa observa como a maré de boatos, propagandas e financiamentos de origem russa alcança uma penetração cada vez maior em seu território. Diante dos indícios de ingerências de Moscou nas eleições norte-americanas, a UE enfrenta, com preocupação, cenários semelhantes.

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O passo dado pelos Estados Unidos foi determinante para que a Europa finalmente tomasse consciência de uma realidade que levava muito tempo minimizando. Se hackers russos conseguiram invadir o sistema informático do Partido Democrata com a intenção de influenciar as eleições presidenciais dos EUA, segundo a Administração de Obama, por que não fariam o mesmo na Europa? O apoio de Moscou a partidos europeus radicais, a guerra informativa e a proliferação de ciberataques compõem uma estratégia que inquieta cada vez mais Bruxelas (sede da UE).

A Alemanha, que terá eleições federais em setembro de 2017, foi a primeira a verbalizar seus temores. Os ataques cibernéticos e a desinformação “podem influenciar a campanha eleitoral”, de acordo com a afirmação feita pela chanceler alemã, Angela Merkel, em novembro deste ano. O diretor do serviço de espionagem alemão, Hans-Georg Maassen, voltou a levantar essa suspeita na semana passada. E o chefe de espionagem sueco, Gunnar Karlson, também se manifestou. “A Rússia conduz, obviamente, as operações mais graves de manipulação contra a Suécia”, afirmou durante uma entrevista televisiva. Sem mencionar Moscou, o responsável pelo setor do Reino Unido, Alex Younger, advertiu sobre práticas que representam “uma transgressão do processo democrático”.

A Europa enfrenta um fenômeno com o qual não sabe bem como lidar. “É um dilema porque não existe reciprocidade. Enquanto a Rússia não permite a liberdade de meios de comunicação em seu país, nem o trabalho de ONGs, as organizações russas podem se instalar sem problemas nos países europeus. É uma batalha assimétrica”, argumenta Michal Baranowski, diretor do escritório da German Marshall Fund em Varsóvia (Polônia), instituição que promove vínculos entre Europa e Estados Unidos. “A magnitude do problema que está emergindo é enorme”, acrescenta o especialista.

Acontecimentos influenciados pelo Kremlin

Holanda. Foi o primeiro sinal de alarme. Os holandeses negaram, com uma participação de 32%, o acordo de associação que ampliava os laços políticos e comerciais com a Ucrânia. Foram difundidos vídeos falsos que, supostamente, mostravam membros do grupo extremista ucraniano Azov queimando a bandeira holandesa.

Itália. Algumas investigações apontaram as conexões do Movimento 5 Estrelas com os meios russos e sua influência na vitória do não no referendo sobre a reforma da Constituição nacional que resultou na renúncia do então primeiro-ministro, Matteo Renzi, este mês.

França. A emissora de televisão Russia Today abriu um canal no país, no qual a Frente Nacional, de Marine Le Pen, expressa sua sintonia com o presidente russo, Vladimir Putin, e que é financiado por sua nação de origem. Além disso, o serviço oficial russo de notícias internacionais, Sputnik, elogiou, na sexta-feira, o "enfoque realista" de François Fillon, candidato presidencial dos Republicanos, em relação à Síria.

Os serviços de inteligência europeus tratam de seguir a pista dessas ameaças. O centro da UE destinado a esse tipo de trabalho, o Intcen, citou em seus informes dois dos grupos de hackers supostamente ligados à Rússia: Cozy Bear e Fancy Bear, que aparecem também nas investigações norte-americanas. O sistema informático da Comissão Europeia sofreu, há várias semanas, um ataque cibernético cujo autor não foi revelado. Um alto cargo da UE afirma que essas tentativas são “a forma perfeita de atingir a Comunidade sem atacar, diretamente, nenhum país”. Arremeter contra um Estado-membro poderia resultar em uma reação individual (como os Estados Unidos ameaçam fazer). No entanto, as instituições Comunitárias carecem de respostas imediatas.

Além do fenômeno visível dos cibertaques, a UE já alerta faz tempo sobre uma via de influência difícil de evitar: o financiamento russo e outros tipos de apoio destinados a partidos políticos europeus. O centro de investigação húngaro Political Capital identificou “partidos fortemente pró-russos” em até 15 nações europeias. Entre eles, figuram o Frente Nacional, de Marine Le Pen, que não oculta sua simpatia pelo presidente russo, Vladimir Putin, e tampouco os empréstimos recebidos de entidades russas. Também estão a Liga Norte, na Itália; o Jobbik, na Hungria; e os neonazistas do Aurora Dourada, na Grécia.

Sem muitos mais instrumentos à mão que elevar a voz, o Parlamento Europeu aprovou, em novembro de 2016, uma resolução “para rebater a propaganda de terceiros contra a UE”. O texto dedica uma extensa seção à Rússia, e conclui: “O Kremlin financia partidos políticos e outras organizações dentro da UE com a intenção de minar a coesão política. E a propaganda do Kremlin está dirigida, diretamente, a jornalistas, políticos e pessoas concretas da União (Europeia)”.

Guerras híbridas

A votação, apesar de tudo, mostrou que uma boa parte do espectro político europeu tem receio de respaldar essas mensagens. O texto recebeu 304 votos a favor (principalmente do Partido Popular Europeu e dos conservadores poloneses), 179 contra (da esquerda minoritária e muitos eurocépticos) e 208 abstenções (da maioria dos social-democratas). Os liberais se dividiram entre as três opções.

Conscientes de que as lutas do século XXI dependem mais dessas estratégias do que de ataques convencionais, os chefes de Estado e de Governo acabam de aprovar um marco de cooperação entre a UE e a OTAN cujo desafio principal são as chamadas guerras híbridas. “É um dos principais riscos e isso ainda não se percebe bem na Europa”, afirma um funcionário da Comunidade familiarizado com essas táticas de desestabilização.

Um núcleo de 11 funcionários contra a propaganda

Preocupada com o grau de influência obtido pela Rússia entre seus vizinhos mais próximos, a UE estabeleceu, no princípio deste ano, um centro “contra a desinformação” que se chama Stratcom, e que colocou no ar o site Euvsdisinfo. Até o momento, 11 funcionários se dedicam, exclusivamente, a esse trabalho. Além disso, contam com uma rede de 450 informantes que alertam sobre mentiras ou meias verdades disseminadas por meios oficiais e também por perfis anônimos altamente populares nas redes sociais.

A tarefa é inacabável. A Rússia destina a seu plano de meios de comunicação no exterior cerca de 370 milhões de euros ao ano (1,3 bilhão de reais), segundo os cálculos do instituto de investigação húngaro Political Capital. O Kremlin, que também acusa o ocidente de fazer propaganda, desenvolveu uma estratégia centralizada para disseminar suas mensagens que, habitualmente, usa como atrativo oferecer "a verdade oculta" ou "o que não é contado". Um estudo do Serviço de Investigação do Parlamento Europeu atribui ao presidente russo, Vladimir Putin, um "telefone amarelo" para coordenar essas atividades. E a agência de notícias Sputnik e a emissora de televisão Russia Today divulgam essas mensagens alternativas no coração da Europa. Uma das últimas áreas de expansão do canal russo foi, precisamente, a França.

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