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Eleições EUA
Coluna
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A presidência de Trump: Algumas ideias e vastas apreensões

O que se pode perceber é uma imensa ansiedade. Para onde vai o país? Como liderar o chamado "mundo livre" com uma dose intensa de radicalismo personalista?

Máscara de Trump é vendida junto a outras personalidades em Tóquio.
Máscara de Trump é vendida junto a outras personalidades em Tóquio.K. S. (AP)

Há duas correntes de opinião entre os eleitores republicanos de Donald Trump. Uns esperam que ele seja na Casa Branca o Trump de sempre: radical, agressivo, movido por suas próprias opiniões, centralizador e convencido de que a distância entre a administração pública e os grandes negócios é muito reduzida: um capitalista clássico! Outros acreditam que a fanfarra de campanha não passa de fanfarra de campanha mesmo e que, no poder, Trump será contido pelo "establishment" do Partido Republicano: direita sim, "ma non troppo"!

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Em recente artigo na New York Review of Books, encontrei uma apreciação notável: "Trump é um improvisador, um ator, um criador de novas realidades. Um homem prejudicado por seu próprio narcisismo; um músico, um dançarino mágico: nem ele mesmo sabe ou pode imaginar o que vai acontecer'. Isso, para o presidente do país mais poderoso do mundo, é muito mais do que preocupante: é assustador!

Há uma semana nos EUA, o que tenho ouvido de amigos, tanto republicanos quanto democratas, oscila entre um e outro ponto de vista. Alguns otimistas, outros menos; muitos pessimistas, uns poucos menos. Todos porém parecem acreditar que boa parte da vitória de Trump, derivou da reação negativa à personalidade de Hillary e aos pontos obscuros de certas práticas do casal Clinton. Joe Biden teria ganho.

O que se pode perceber é uma imensa ansiedade. Para onde vai o país? Como liderar o chamado "mundo livre" com uma dose intensa de radicalismo personalista? Como será Trump capaz de se relacionar com o mundo, com as lideranças nacionais na Europa, na Ásia, na América Latina?

Algo se pode antecipar desde já: haverá uma tendência a trabalhar positivamente com Putin. Pode parecer surpreendente. Mas não é! Putin é um líder forte, que traz consigo duas heranças também fortes: a do comunismo, que acabou, e a da antiga Rússia Imperial, que não acabará nunca. Seu comportamento atualmente vai pelo lado da Rússia Imperial. Algo que ficou evidente na reação à tentativa da Aliança Ocidental de cooptar a Ucrânia e chegar perto demais da Rússia. "Mutatis Mutandis" foi o que aconteceu inversamente na crise dos foguetes de Cuba, quando os EUA traçou uma linha clara e se preparou para um conflito nuclear com a então União Soviética. Os EUA ganharam no conflito de Cuba e a Rússia ganhou na Ucrânia. Ambas crises demarcaram os limites a que podem chegar as ameaças a uma e outra superpotência nuclear.

Trump, por sua personalidade, parece entender bem este tipo de reações. Veio praticando ao longo de toda sua vida uma espécie de capitalismo "agressivo", que ataca até o momento em que percebe os limites da força do competidor. Vai seguir muito provavelmente essa norma nas relações com a Rússia de Putin que, diga-se de passagem, com o lento desgaste da Senhora Merkel, é o único grande líder europeu. Mais recentemente seu envolvimento no conflito da Síria revelou determinação e capacidade de arregimentar forças para buscar transformar uma realidade que ameaça os interesses estratégicos da Rússia.

A Europa pós-Brexit a esta altura está à procura de um papel mais afirmativo no mundo. Busca evitar outras ameaças como poderão ser uma eventual saída da Itália (pouco provável, mas não impossível) e da Grécia, que poderá voltar à agenda. Em nenhum dos países da Europa Ocidental parece prevalecer a determinação que engendrou a União Europeia e transformou o mundo. É crucial para o Reino Unido guardar a força, o prestígio e a independência da praça financeira de Londres, ameaçada pelo centralismo ortodoxo de origem germânica do Banco Central Europeu. E é crucial também evitar a invasão de refugiados, sobretudo islâmicos. O Reino Unido parece retornar, assim a seus imperativos históricos de guardar uma certa distância da Europa Continental e de, eventualmente, acirrar um país contra o outro. Nada mais forte do que as tendências históricas e geo-estratégicas de cada país para definir suas grandes linhas de política. A tendência de Trump deverá ser a de reforçar a aliança anglo-saxã (Reino Unido, EUA, Canadá, Austrália e Nova Zelândia) que dá as cartas no mundo desde a queda do Império napoleônico.

Um enorme problema para Trump será a China. Sua iniciativa de falar pessoalmente com a Presidente de Taiwan foi um expresso desafio ao equilíbrio das relações entre os dois países. Um gesto que havia sido negociado com o lobby de Taiwan em Washington, liderado pelo ex-senador e ex-candidato a Presidente, Robert Dole . Foi mais uma provocação do que uma mudança de política. Trump vem criticando muito insistentemente as restrições comerciais da China e determinadas práticas invasivas de Pequim. Não poderá esquecer, porém, que Pequim é o maior comprador da dívida norte-americana e que boa parte do crescimento do mercado consumidor americano depende das importações da China.

O Japão, por sua vez, não deverá acarretar maiores desafios para a Administração Trump cuja tendência será muito provavelmente no sentido de fortalecer as posições defensivas de Tóquio no que se refere às pretensões expansivas de Pequim no Mar da China, objeto de frequentes litígios.

Quanto ao combate ao radicalismo islâmico, o que deve- se esperar é um comprometimento maior do poderio militar dos EUA. Liderar pela frente e não por detrás, como foi a política empregada por Obama. Certamente não será essa última a política do futuro Secretário de Defesa, conhecido pela alcunha de "Cachorro Louco".

No que diz respeito à América Latina, os olhos da futura administração estarão prioritariamente voltados para o México e para os temas migratórios em geral. O tão falado muro que Trump quer construir na fronteira com recursos mexicanos para evitar o influxo dos "males" proveniente do país (emigrantes ilegais, drogas, dinheiro sujo, violência entre outros) é mais um símbolo do que uma realidade possível. Curiosamente, diz-se que o México sim estaria disposto a construir e pagar o muro para evitar o influxo de norte-americanos que eventualmente desejarão escapar do radicalismo trumpista....

O Brasil a esta altura, felizmente, está longe do radar da futura administração. Nos meios empresariais americanos é evidente, porém, a preocupação com a crise brasileira e com o desempenho da economia. Caberá eventualmente ao Brasil configurar e propor um projeto de ativação das relações bilaterais. Assim que nós sejamos capazes de saber o que queremos, se é que queremos alguma coisa...

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