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Coluna
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Amigo secreto, inimigo público

Veja aqui como presentear amigos e familiares coxinhas, petralhas e isentões neste natal

Manifestação no último domingo, dia 4.
Manifestação no último domingo, dia 4. Joédson Alves (EFE)

Você tira de amigo secreto aquele coxinha-mor que acredita no governo Temer, no papai Noel e no Plano da Previdência – mesmo não sendo milico de carreira. O que presenteá-lo? As obras completas de Alexandre Frota? Aquelas réplicas de bonequinhos do Bolsonaro? Patos amarelos? Dura missão, meu caro. Nunca o amigo secreto foi tão politizado.

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Ah, sobrou para você, declaradamente conservador, o comunista do almoxarifado ou a petralha moderninha do Recursos Humanos? Moleza, fácil e óbvio demais da conta. Um charuto ou rum cubano, um vinil de Mercedes Sosa ou do Chico, o livro do Sakamoto ou do Gregório Duvivier, uma assinatura da revista “Caros Amigos”, etc. Tem para todos os gostos, dependendo da idade.

O importante é que você se divirta no momento de descrever o agraciado com o seu mimo, mesmo que você não tenha a oratória rococó dos sermões de um Reinaldo Azevedo.

Requintadas panelas para as varandas gourmet também são boníssimas ofertas na confraternização de fim de ano. Não vale cobrar ao colega paneleiro sobre o resultado do seu muito barulho por nada. Coisas da vida, coisas do país de Bruzundanga, está tudo na crônica do Lima Barreto dos anos 20 do século passado. Relaxa. Toma mais um espumante ou quem sabe uma catuaba – as festas de firmas nunca foram tão econômicas, passa a mortadela, faz favor.

No amigo secreto em família, tudo é mais delicado, embora você tenha a garantia de que os laços sanguíneos são para sempre. Não economize nos pixulecos para agradar o tiozão reaça com um belo pulôver à moda João Dória Jr. Você, amiga vermelha, irá receber, por ironia e sacanagem da história, a biografia do juiz Sérgio Moro. Sem o selo de troca. Presente da tia que vai ao êxtase, qual uma Santa Teresa, diante do meritíssimo da Operação Lava Jato.

"O importante é que você se divirta no momento de descrever o agraciado com o seu mimo, mesmo que você não tenha a oratória rococó dos sermões de um Reinaldo Azevedo"

No amigo secreto politizado, sintoma de uma época de tretas permanentes, há quem não perdoe nem mesmo o isentão “de boas”, aquele rapaz bonachão do marketing que não se posiciona desde o embate Dilma X Aécio em 2014. A estratégia dele é anunciar voto nulo e repetir bordões contra a ideia de política. Um bom presente para o moço seria o quê? Por favor, me ajudem, tirei esse tipo e estou em apuros. Uma pia dourada para lavar as mãos como um Pôncio Pilatos? Um muro?

Dá para brincar à vontade, seja na firma ou na família. Triste, como ocorreu agora com este desavisado cronista, é quando você tenta descobrir os hábitos e costumes do sorteado – pelas redes sociais – e descobre que o sujeito lhe bloqueou no Facebook por causa das suas declarações políticas. O que fazer, velho Lênin? O jeito é ser irônico em mais este presente. Os livros do Olavo de Carvalho? As gravações proféticas de Romero Jucá/Sérgio Machado? Não dá para saber, a direita anda brigando muito no pós-golpe, muda de filósofo a cada reviravolta em Brasília.

A um colega saudável, adepto de produtos orgânicos, seja ele de direita, isentão ou de esquerda, que tal uma cesta de produtos orgânicos da loja do MST em São Paulo? Zero agrotóxico, zero agronegócio. Entre saúde e ideologia, talvez o amigo secreto apenas agradeça, vai saber a essa altura do ano. Eu arriscaria. Vale a graça ou o sarro dialético.

Para o amigo neoliberal que defende o arrocho-mor e descobriu que irá morrer sem aposentadoria, que tal um plano de previdência privada? Pode custar caro, mas ele jamais esquecerá, mesmo nos momentos de memória fraca.

Vale a sacanagem, a buena onda, que ao final da festa da firma ou da família você misture sua coxinha com o caviar de esquerda, depois de muito rum cubano, cachaça mineira ou vinho metido com retrogosto moral de ressaca golpista. Sim, fume o charuto à Fidel, faça um escarcéu, só não tente se matar, pelo menos essa noite não, como no belo verso da música do Lobão. Boa farra, vade retro 2016, e até a próxima.

Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de “Os machões dançaram -crônicas de amor & sexo em tempos de homens vacilões” (editora Record). Comentarista de televisão nos programas “Papo de Segunda” (GNT) e “Redação Sportv”.

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