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“Não haverá céu de brigadeiro para este Governo. Ele será sempre contraditório”

Para Carlos Pereira, Governo Temer tem chances de terminar bem se souber 'jogar o jogo' de apoio à Lava Jato

Carlos Pereira, cientista político e professor da Faculdade Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro
Carlos Pereira, cientista político e professor da Faculdade Getúlio Vargas, no Rio de JaneiroDivulgação (FGV-RJ)

Na semana passada, discutia-se a possibilidade de os protestos marcados para este domingo se voltarem contra o Governo de Michel Temer. Com o PIB negativo no terceiro trimestre, especulações sobre mudanças na equipe econômica, crise ministerial e, principalmente, enfrentamento entre Legislativo e partes do Judiciário e Ministério Público Federal (MPF) sobre o pacote anticorrupção, a possibilidade era grande. Não foi o que aconteceu. Para o cientista político Carlos Pereira, que foi favorável ao impeachment de Dilma Rousseff como resolução da turbulência política brasileira, o momento acabou se tornando favorável para Temer. Em entrevista ao EL PAÍS, Pereira, professor da Faculdade Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro (FGV-RJ), comenta o atual momento político no Brasil e faz projeções otimistas para o Governo.

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Pergunta. Qual é a sua avaliação sobre o impacto das manifestações deste domingo para o Governo Temer?

Resposta. O melhor possível. Eu nunca imaginei que elas teriam um caráter “Fora, Temer”. O objetivo delas sempre foi o de defender a autonomia dos poderes dos órgãos de controle, como o MPF. Teve uma face de oposição às movimentações desta semana do Legislativo e, no final, acabaram caindo como uma luva para o Governo Temer. Se ele souber jogar o jogo, vai manter um comportamento de apoio à Operação Lava Jato e deixar o problema com os parlamentares.

P. E como você enxerga o afastamento do Renan Calheiros (PMDB), presidente do Senado, e do partido de Temer?

R. Ainda é muito cedo para decifrar as reais motivações do ministro Marco Aurélio. Do ponto de vista prático é uma clara sinalização de que os órgãos de controle no Brasil não vão abrir mão da sua autonomia e independência. Ou seja, diante das ameaças do Legislativo de aumentar o controle sobre juízes e promotores, a Suprema Corte, ainda em decisão liminar, manda um sinal para o Legislativo de que não estão dispostos a abrir mão dessa independência. No livro Making Brazil Work, argumento que o fortalecimento das instituições de controle “externas” à política (Judiciário, Ministério Público, Tribunais de Contas, Polícia Federal etc.) foi decorrência da escolha dos legisladores de delegar grandes poderes ao presidente em um ambiente multipartidário. Nesse ambiente institucional, onde as ações de controle de parlamentares sobre o Executivo teriam maiores custos de coordenação e baixa efetividade (como as CPIs), seria de interesse do Legislativo delegar amplos poderes para instituições externas ao Parlamento para que essas pudessem exercer controle sobre o Executivo. O que tem ameaçado esse equilíbrio virtuoso, que emergiu da nossa Constituição de 1988 (presidente constitucionalmente forte com capacidade de montar coalizões majoritárias pós-eleitorais e instituições de controle também fortes e capazes de checar o executivo), são os riscos de que as ações dessas instituições de controle gerem perdas iminentes para os próprios legisladores, e não apenas para o Executivo. Esse é fundamentalmente os termos do embate atual entre Legislativo e Judiciário. Com a saída de Renan, os órgãos de controle reafirmam o seu poder e sua independência.

P. É o embate que se deu nas últimas semanas em torno do que foi aprovado a partir da proposta das “dez medidas”.

"Levantamento do Ipsos mostrou que 96% da população brasileira apoia a Operação Lava Jato custe o que custar"

R. Sim. E, ao meu ver, o que se passou foi uma tentativa do Legislativo de cercear os poderes dessas instituições de controle que foram delegadas pelo próprio poder Legislativo para que elas pudessem fiscalizar o Executivo. Os congressistas estão em um mato sem cachorro. Principalmente suas lideranças e foi isso o que as manifestações mostraram. O Renan Calheiros, por exemplo, percebeu na semana passada que seu pescoço estava em jogo e tentou aprovar em regime de urgência o que foi votado na Câmara. Só que a opinião pública, como bem mostrou uma pesquisa publicada nesta segunda-feira pelo Instituto Ipsos, está pendendo para o lado da Justiça e do Ministério Público. O levantamento mostrou que 96% da população brasileira apoia a Operação Lava Jato custe o que custar. Ou seja, existe uma crença dominante hoje de aversão à corrupção. As instituição de controle, nesse sentido, encarnam justamente essa aversão e quem se interpor a isso, vai sofrer. É o caso do Renan que acabou virando alvo preferencial das manifestações. O Rodrigo Maia também, porque fez votação durante a madrugada e aprovou um pacote que desfigurou as medidas iniciais.

P. E você não enxerga que isso pode ter um efeito sobre o Temer? O que é mais importante para ele: o apoio das ruas ou da Câmara?

R. Acho que a manobra do Renan e a aprovação na Câmara acabaram por isentá-lo de responsabilidade. Ainda por cima, ele ficou com o discurso contra o caixa 2. O importante para ele agora é não ceder aos pedidos dos parlamentares investigados que pedirão seu apoio. Claro, ele precisa do Congresso. Sem ele, Temer perde a cabeça. Mas é importante que ele não desconsidere essa crença, cada vez mais dominante no Brasil, que a corrupção é intolerável. Se ele trilhar um caminho retilíneo nessa seara da corrupção, sem se comprometer, ele não terá que se preocupar tanto com a popularidade do ponto de vista da macroeconomia. Se tiver sucesso nisso, pode acabar agradando a população, ao se posicionar favorável à Operação Lava Jato, e também o mercado ao trazer a economia para o equilíbrio.

P. Mas o clima instável entre os Poderes pode tornar inviável qualquer decisão. A saída de Renan não tem impactos sobre os próximos passos de Temer?

R. Claro que a presença de um presidente do Senado ou da Câmara dos Deputados com as preferências distintas das do Executivo causa problemas para o Presidente. O controle da agenda legislativa nas duas casas é muito centralizada na figura do seu presidente. Portanto, com Jorge Viana do PT na Presidência, é bem possível que a votação em segundo turno no Senado da PEC do Teto seja adiada ou protelada. Seria o equivalente a uma situação de governo dividido em presidencialismos bipartidários, como nos EUA, quando o partido do presidente não tem maioria de cadeiras em uma ou nas duas Câmaras legislativas. Por outro lado, a coalizão do Presidente tem uma maioria sólida. Portanto, não core riscos de que mudanças concretas sejam implementadas. O problema maior é o atraso diante da urgência dessa matéria. Entretanto, embora o Jorge Viana seja um Senador do PT, ele enfrentará custos políticos se não colocar em votação a PEC do Teto. Lembre-se que a opinião pública e os grupos de interesse estão muito ansiosos com a aprovação dessa matéria para dar sinais críveis de que o governo está atando as suas próprias mãos em relação aos gastos públicos.

"Se o Temer trilhar um caminho retilíneo nessa seara da corrupção, sem se comprometer, ele não terá que se preocupar tanto com a popularidade do ponto de vista da macroeconomia"

P. Voltando às “dez medidas”, você não acredita que esse cabo de guerra entre Legislativo e setores do Judiciário e MPF pode ser preocupante? As próprias medidas nunca foram um consenso no mundo jurídico.

R. Ainda não me preocupa. Acho que o embate é normal e salutar. Houve a delegação de amplos poderes para as instituições de controle e elas estão querendo preservar isso. Na realidade, elas estão querendo ampliar isso. Só que o Legislativo está com receio. Por enquanto, o embate tem se dado de forma democrática. Sobre as “dez medidas”, acho que nem os procuradores tinham a expectativa de que iriam aprovar todas elas. Era normal que fossem alteradas no Legislativo, mas não transfiguradas como foram. Nesse caso, acho que a solução vai depender de como a sociedade vai se comportar. Se ela pender muito, como vem acontecendo, para o lado das instituições de controle, acredito que o Legislativo vai ficar em uma situação difícil para impor perdas ao Judiciário ou ao Ministério Público.

P. Se o Governo Temer acabou se saindo bem com as manifestações, ele enfrenta problemas em outros campos. Para citar dois dos principais: queda do PIB no terceiro trimestre e crise ministerial no caso de Geddel, ex-titular da Secretaria do Governo.

R. Nunca acreditei que o Governo Temer, que nunca gozou de consenso, seria linear. Contudo, a interpretação que faço é de que de modo geral ele pode cumprir seu papel ao fazer os ajustes macroeconômicos que precisam ser feitos: fiscal, previdenciário e, quem sabe, trabalhista.

P. Mas tudo isso fala mais para o mercado do que para as pessoas. Se o Governo não tem consenso e as reformas não alavancam a economia, a situação pode ficar cada vez mais difícil, não?

R. Naturalmente que as reformas vão gerar custos de curto prazo para todos e os efeitos positivos só poderão ser sentidos em médio e longo prazo. Enquanto a economia não voltar a crescer, as pressões vão continuar, logicamente. Não é possível imaginar um céu de brigadeiro para esse Governo em nenhum momento. Ele será sempre contraditório, mas, no momento, a maior preocupação das pessoas é a corrupção. Se ele souber lidar bem com a questão, pode sair com um cenário positivo.

"FHC já cumpriu seu papel na história e a ideia de que um ex-presidente possa voltar é algo muito ruim"

P. Ainda há a sombra da chamada “delação do fim do mundo” da Odebrecht, que promete arrolar uma série de figuras da base do Governo.

R. Acredito que esse é o principal problema para o Governo Temer, porque acredito que o jogo institucional está bem equilibrado. Vários políticos que são da base de apoio do Governo podem estar envolvidos. Aí, acredito que o episódio do Geddel e do Calero, em que Temer demorou para agir, serve como referência para o que deve ser feito dessa vez. Ele não pode tergiversar quando o assunto for corrupção, por mais que isso custe apoio na Câmara. Esse é o ponto mais sensível para a população no momento. Agora, se a delação se concentrar fundamentalmente na base do Governo, o que não acredito que deve ocorrer, ele terá problemas muito grandes. Se o Renan sozinho criou o transtorno que criou, imagina se tiverem 100, 150 parlamentares envolvidos nas delações?

P. Ao mesmo tempo, muitas especulações sobre uma possível troca na direção econômica começam a surgir.

R. Acho que isso é inevitável. Esse é, como eu já disse, um Governo contraditório e sem popularidade. Ele pisa em ovos e nos meses em que as expectativas não são preenchidas, as pessoas começam a especular. Pessoalmente, eu acho que tudo é balão de ensaio. O Henrique Meirelles está no caminho certo e, por mais que possa gerar impactos ruins a curto prazo para a população, é a aposta de que a longo e médio prazo as coisas vão melhorar. A declaração que o Temer deu sobre Meirelles, de que ele "tem seu apoio", deixa claro o compromisso que ele tem com a manutenção das políticas iniciadas por essa equipe econômica. Eu não vislumbro mudanças em um futuro próximo.

P. Por fim, já há cálculos sendo feitos caso a chapa Dilma-Temer seja cassada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Há quem fale em uma volta de Fernando Henrique Cardoso, que semana passada comparou o atual Governo a uma pinguela.

R. Eu acho um erro começar com esse papo. O PSDB foi o vencedor das eleições municipais deste ano, mas é muito cedo para começar a articular qualquer coisa. Se o TSE, de forma independente, decidir pela cassação da chapa antes do final do ano, que tenha eleição direta. Se uma decisão desse teor acontecer no ano que vem, que seja a eleição indireta. Em ambos os casos, contudo, eu acho um erro falar em FHC. Ele já cumpriu seu papel na história e a ideia de que um ex-presidente possa voltar é algo muito ruim.

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