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Pepe Mujica: O filme

O cineasta Emir Kusturica foi escolhido pelo próprio ex-presidente uruguaio para dirigir o filme de sua vida

MARIÉN KADNER
O ex-presidente uruguaio José Mujica, filmado por Emir Kusturica para a obra sobre sua vida
O ex-presidente uruguaio José Mujica, filmado por Emir Kusturica para a obra sobre sua vidaAFP

A politização da vida e obra do cineasta sérvio Emir Kusturica não para de crescer, sem que ele, aparentemente, busque isso. Em abril, o duas vezes ganhador da Palma de Ouro, em Cannes –por Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios (1985) e Underground – Mentiras de Guerra (1995)— se viu envolvido em uma polêmica pela ausência de seu último filme, On the Milky Road, protagonizado pela italiana Monica Bellucci, da seleção oficial do reconhecido festival em 2016. A agência de notícias russa Russian News Agency pôs na boca do diretor que o filme não tinha sido escolhido por causa de seu apoio ao presidente russo, Vladimir Putin. O diretor desmentiu isso e argumentou que simplesmente não ficou pronto a tempo. Agora finaliza os detalhes de um documentário sobre o ex-presidente uruguaio José Mujica, intitulado O Último Herói, que, segundo o presidente da produtora argentina Kramer & Sigman (K&S), Hugo Sigman, estará pronto para o Festival de Cannes “do ano que vem”.

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O cineasta, que sem dúvida é um dos grandes embaixadores sérvios no mundo cultural –por sua vintena de títulos cinematográficos e sua contribuição à música com The No Smoking Orchestra–, foi escolhido pelo próprio Mujica para dirigir o filme. O presidente uruguaio teve, em troca, que se colocar às ordens do realizador e interpretar algumas cenas, segundo contou Sigman em agosto. “Eu não sou um documentarista, você vai ter que atuar”, lhe advertiu Kusturica antes de começar o projeto. Mujica, o presidente conhecido por sua profunda crítica ao consumismo –“não viemos ao mundo só para trabalhar e comprar”–, foi filmado, enquanto ainda estava no cargo, cuidando de suas flores, dirigindo seu velho Volkswagen.

A obra começa no momento em que o ex-presidente, hoje com 81 anos, deixa o poder. A partir daí a história volta atrás no tempo, segundo detalhou o produtor, para retomar o dia-a-dia de um chefe de Estado e de Governo que viveu os cinco anos de mandato em sua humilde casa de sempre, sem esquecer sua fase como guerrilheiro. “Em que outro lugar você pode ver um presidente que sai do escritório e as pessoas ficam loucas lhe expressando amor? Não faço ideia. Tenho 60 anos e nunca vi algo assim”, declarou Kusturica em uma coletiva de imprensa durante as gravações. “O objetivo do filme é mostrar uma pessoa única que a história recordará.”

"Eu não sou um documentarista, você vai ter que atuar"

Depois de um site humorístico uruguaio afirmar que o filme não veria a luz porque tinha deixado de receber uma ajuda estatal, o que causou grande polêmica e incerteza, sua data de apresentação continua no ar. Em suas últimas declarações, o cineasta dizia à agência de notícias sérvia Tanjug que prevê terminar o filme em dezembro. Nessa ocasião descreveu o ex-presidente uruguaio como “um herói da antiguidade”. Segundo opinou sobre Mujica, “neste furioso capitalismo liberal em que tudo se torna mercadoria, esse homem não queria ser mercadoria, e permaneceu homem e aceitou com religiosidade que não é preciso esbanjar o tempo, mas viver a vida”.

Não é a primeira vez que Kusturica retrata em um documentário uma figura heroica e latino-americana. É uma forma de mostrar, de acordo com o diretor, o caos irracional que une os Bálcãs à América Latina. Em 2008, o cineasta filmou o astro de futebol Diego Armando Maradona, e assim apresentou no Festival de Cannes a obra Maradona by Kusturica. Também na época ficou patente a sintonia entre ambos enquanto passeavam abraçados pela cidade da Côte d’Azur. O período com Mujica foi para o sérvio de grande proveito filosófico: “Mujica compreendeu que a vida é curta para se passar o tempo em shopping centers”.

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