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Gestão por edifício milionário em Salvador complica Geddel, homem-forte de Temer

Tentativa de interferência revelada por ex-ministro Calero amplia vidraça de secretário de Governo

Marcelo Calero chegou a Brasília em maio com a missão de sanar uma crise que desgastava o incipiente Governo Temer: assumir o recém-restabelecido Ministério da Cultura e minar os protestos de artistas e funcionários públicos ligados ao setor, então o maior foco de resistência ao novo ocupante do Planalto. Apesar de controvérsias pontuais, conseguiu. Mas, na sexta-feira, Calero deixou o cargo abrindo uma nova crise: informou, em entrevista à Folha de S. Paulo, ter sofrido pressões de um homem-forte do Governo, Geddel Vieira Lima, para liberar uma obra milionária em Salvador onde ele tem interesse direto: um edifício obrigado a mudar seu projeto original por uma determinação do IPHAN (Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural).

Geddel Vieira Lima, ministro da Secretaria de Governo.
Geddel Vieira Lima, ministro da Secretaria de Governo.Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

À Folha, Calero fez uma descrição dos passos de Geddel, "uma pressão inacreditável", para tentar reverter o veto ao empreendimento, incluindo uma passagem em que acusa o ministro da Secretaria de Governo de ter ameaçado acionar Temer caso a questão não fosse resolvida. Na mesa, estaria até mesmo, no relato do ex-titular da Cultura, forçar uma possível troca no comando do IPHAN ( Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural), que embargou a obra do edifício La Vue Ladeira da Barra exigindo mudanças no projeto para se adequar às limites máximos de altura estabelecidos para a região, uma área próxima ao centro histórico de Salvador. Com vista para a Baía de Todos os Santos, cada apartamento do projeto original tem custo estimado entre 2,6 milhões de reais e 4,7  milhões de reais.

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Geddel, o ex-deputado federal pelo PMDB da Bahia, ex-ministro da Integração Nacional e ex-vice-presidente da Caixa Econômica sob Lula, disse à Folha que tinha a intenção de comprar uma unidade no edifício da polêmica, mas negou "qualquer pressão indevida". O fato de ter interesse direto no empreendimento, em seu entendimento, "não tira, me dá legitimidade para levar a ele um problema por conhecer o que estava ocorrendo, estar preocupado, como todo cidadão fica preocupado em uma situação dessa".

Calero disse ter resolvido revelar a história como uma espécie de vacina contra possíveis versões para sua saída do ministério que "maculassem" sua imagem e acabou jogando luz em outro episódio surgido nas investigações da Operação Lava Jato. Em janeiro, o jornal O Globo publicou parecer da Polícia Federal que afirma, com base em conversas apreendidas com ex-presidente da OAS, Léo Pinheiro, que Geddel pedia contribuições de campanha à empreiteira em troca de atuar a favor de decisões que a beneficiassem. Entre os relatos, estão as supostas gestões do agora ministro a favor de um empreendimento imobiliário da OAS em Salvador, o Costa España. O ministro não é formalmente investigado na Lava Jato e também neste caso nega qualquer atuação indevida.

Os "notáveis"

A bomba detonada por Calero cria um constrangimento a mais para Temer, que assumiu a presidência interinamente em 12 de maio rasgando a promessa de nomear apenas "notáveis" para seu gabinete. Mesmo sob críticas de setores da imprensa, bancou a acomodação em postos-chave de nomes citados na Lava Jato, entre os quais o próprio Geddel, muitos deles cruciais na batalha política do impeachment.

O ministro garantiu ter ouvido de Temer neste sábado, no entanto, que o assunto já era "página virada". Apesar da repercussão negativa das gestões, não seria um ponto fora da curva se, de fato, ele continuasse no estratégico posto de coordenar as relações do Planalto com o Congresso às vésperas da votação da PEC do Teto de Gastos no Senado, prioridade máxima do Governo. O núcleo-duro de Temer, apesar das vidraças e denúncias, tem se mostrado resiliente, quer com cargo formal no Governo ou não. Defenestrado do Planejamento após ter sido flagrado falando em "parar a sangria da Lava Jato", Romero Jucá jamais perdeu influência. Alvo de inquéritos em curso no Supremo Tribunal Federal fruto da operação, Jucá acaba de assumir a liderança do Governo no Congresso. 

Os próximos dias serão de teste para Roberto Freire (PPS-SP), que assume a pasta da Cultura novamente transformada em vespeiro, agora com todos os olhos seguindo os desdobramentos no IPHAN, órgãos da pasta alvo preferencial de pressões políticas por causa do peso econômico de suas decisões, e no empreendimento milionário de Salvador.

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