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Vitória de Trump ressuscita velhos medos

Nervosismo toma conta de algumas minorias nos EUA diante da chegada do novo presidente ao poder

Marcha contra Donald Trump em 14 de novembro, em Seattle.Vídeo: J.R. (AFP) / EFE
Marc Bassets

Como em todo domingo, o reverendo Robert Harvey chegou pouco depois das sete horas da manhã à Igreja Episcopal de Nosso Salvador em Silver Spring (Maryland) para organizar as missas do dia. Não esperava ver aquelas pichações. Uma estava no muro de tijolos que separa um jardim memorial onde descansam as cinzas dos mortos. A outra estava em um cartaz que anunciava as missas em espanhol. Ambas traziam os mesmos dizeres: "País de Trump. Só brancos".

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Naquela mesma manhã, um menino de sete anos, filho de um nigeriano, viu a primeira pichação e perguntou ao reverendo:

"Daqui para a frente vai ser assim?"

"Vamos fazer com que as coisas sejam melhores", respondeu o reverendo.

Harvey é um wasp, acrônimo para homem branco, anglo-saxão e protestante. A maioria de seus paroquianos é formada por imigrantes. São africanos, caribenhos e hispânicos.

Era o primeiro fim de semana depois das eleições presidenciais de 8 de novembro. O candidato que, durante a campanha, brandiu o ódio contra as minorias e os estrangeiros, o republicano Donald Trump, derrotou a democrata Hillary Clinton, que poderia ter se tornado a primeira mulher a presidir o país.

Desde esse dia, a situação dos Estados Unidos tem sido marcada por muito nervosismo. Alguns estrangeiros, dos latino-americanos aos muçulmanos, se sentem inseguros. A quantidade de relatos sobre atos de perseguição só aumentou. O Southern Poverty Law Center, uma organização com sede no Alabama, no coração daquilo que foi o Sul segregacionista, registrou 701 incidentes entre 9 e 16 de novembro. A maioria são casos de ataques a imigrantes e negros. O local mais comum onde eles ocorrem são escolas e colégios.

O medo não é generalizado, e em um país com 301 milhões de habitantes, 701 incidentes em uma semana não é algo quantitativamente tão significativo. Significativo, no entanto, é que os agressores, como os da igreja de Silver Spring, possam se sentir legitimados pela autoridade máxima do país, possam deduzir, a partir da retórica xenófoba do presidente, que hostilizar um hispânico ou um muçulmano é uma atitude acertada.

Não é preciso ir muito longe de Washington, a capital onde a Administração Trump está prestes a desembarcar, para compreender a inquietação causada pela chegada ao poder de um presidente que prometeu expulsar milhões de imigrantes, vetar a entrada de muçulmanos no país ou obrigá-los a se cadastrar.

Perto de Silver Spring, em Langley Park, fica o La Unión Mall, um centro comercial que é um pequeno vilarejo centro-americano.

"Diminuiu o número de pessoas aqui desde que Trump ganhou", conta a guatemalteca Mónica Castillo, funcionária da padaria La Chapina. Ela diz que eles estão saindo menos de suas casas e gastando menos. "As pessoas querem guardar dinheiro para janeiro", acrescenta.

“Nação Trump. Só brancos”, diz a faixa na Igreja Episcopal do Nosso Salvador em Silver Spring.
“Nação Trump. Só brancos”, diz a faixa na Igreja Episcopal do Nosso Salvador em Silver Spring.Twitter

No dia 20 desse mês, Trump fará o juramento de posse e passará a ser oficialmente o presidente dos EUA. Há quem tema pelo pior: que ele execute suas ameaças e que tenham início, assim, as batidas para localizar os imigrantes sem documentos.

"Há uma diferença entre dizer e fazer. Ele vai agir contra as pessoas que tenham cometido crimes. Não acho que vai mexer com as pessoas que fazem as coisas certas", afirma Dora Manchamé, a proprietária da La Chapina.

"Se houver uma perseguição geral, Langley Park acabará", diz Patricio Zamora, dono de um estúdio fotográfico localizado no La Unión Mall. "Não sobraria ninguém neste centro comercial".

A 40 quilômetros dali, através do beltway, o anel rodoviário sempre congestionado que cerca Washington, depois de cruzar o rio Potomac, está Falls Church. Ali fica o centro Dar Al-Hijrah, uma das maiores mesquitas da região. É sexta-feira, dia de orações, e, do lado de fora, há uma pequena feira com comida e veículos da polícia protegendo o edifício.

Colin Christopher, um muçulmano de origem albanesa nascido nos EUA, traça um paralelo entre o dia dos atentados de 11 de setembro de 2001 e o 9 de novembro de 2016, dia em que se soube que Trump será o novo presidente.

"O 11 de setembro foi terrível para todos os norte-americanos. O 9 de novembro foi uma alegria para alguns e um dos dias de maior medo para outros"

"O 11 de setembro foi terrível para todos os norte-americanos. O 9 de novembro foi uma alegria para alguns e um dos dias de mais medo para outros", diz Christopher, que é responsável pelas relações com o Governo. "No 11 de setembro nós nos unimos como país, enquanto do 9 de novembro saímos muito divididos. Historicamente falando, é uma ameaça maior para o nosso país do que o 9 de setembro".

Christopher liga o seu computador e exibe vídeos de meninos e meninas muçulmanos relatando experiências de agressão na escola. Os vídeos foram gravados antes da vitória de Trump e repetem uma frase: "Me chamaram de terrorista", ou "me chamaram de ISIS [Estado Islâmico]".

Uma semana antes, o secretário de educação do condado de Montgomery, Jack Smith, enviou uma carta aos pais em que explicava que as escolas são espaços seguros onde cada pessoa é respeitada e não se tolera nenhuma perseguição: entende-se, a partir da carta, que as autoridades não pretendem procurar por crianças sem documentos ou ir atrás de informações sobre elas. Smith os estimulava a manter conversas "abertas e respeitosas" sobre o que significa viver em uma democracia.

Na manhã da quarta-feira 9 de novembro, horas depois da divulgação do resultado eleitoral, as crianças de uma escola do mesmo condado entoavam palavras de ordem contra o novo presidente e falavam na possibilidade de uma Terceira Guerra Mundial. Outras mencionavam as deportações. Uma professora lhes dizia que elas não deviam ter medo de nada. Ninguém quer uma guerra nos Estados Unidos, e o presidente não pode fazer o que bem entender, conforme apenas os seus caprichos. Depois disso, deu como tarefa a reflexão sobre conceitos como tolerância e inclusão, quando as crianças então escreveram suas reflexões em cartolinas gigantes.

O romancista Philip Roth descreveu muito bem esse sentimento infantil em seu romance "Complô contra a América", constituído por recordações infantis fictícias nas quais imagina que o herói da aviação e simpatizante nazista Charles Lindbergh derrota Franklin Roosevelt nas eleições de 1940. "Não existe infância sem terrores, e, no entanto, eu me pergunto se não teria sido um menino menos assustado se Lindbergh não tivesse sido presidente ou se eu não fosse descendente de judeus", escreve. "Lindbergh foi o primeiro norte-americano famoso vivo que aprendi a odiar, da mesma maneira que Roosevelt foi o primeiro norte-americano famoso vivo que me ensinaram a amar".

De Silver Spring a Falls Church, e em outros pontos do país, a novidade é que a causa da preocupação –o que desperta os temores das crianças e mobiliza os professores, o que alerta as comunidades religiosas e leva os imigrantes a pouparem dinheiro preventivamente—seja a autoridade máxima do país, o símbolo da nação, uma autoridade que, em tese, deveria ser protetora. Um presidente que provoca medo não é algo com que os Estados Unidos estejam habituados.

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