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Sete elementos que ajudam a explicar as eleições dos EUA

Trump teve os votos dos republicanos simples, alguns com dúvidas e muitos buscando mudança

Kiko Llaneras
O presidente eleito Donald Trump saúda aos assistentes depois de seu discurso de vitória
O presidente eleito Donald Trump saúda aos assistentes depois de seu discurso de vitóriaCHIP SOMODEVILLA / AFP
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Uma semana se passou desde a eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. A seguir, listo alguns dados essenciais sobre o que aconteceu e sobre quem votou em cada candidato.

1. Trump recebeu os votos dos republicanos comuns. Noventa por cento das pessoas que se identificam com o Partido Republicano votaram no seu candidato. Trump também ganhou entre os independentes, por 6 pontos, algo semelhante ao que ocorreu com Mitt Romney em 2012. Falou-se muito nos novos eleitores de Trump. Mas a maior parte dos seus eleitores têm o perfil republicano clássico: são mais idosos, mais brancos, mais religiosos e menos urbanos do que os democratas.

2. Esse sucesso tem uma causa: a polarização. Dos eleitores de Trump, 27% afirmam que seu candidato não transmite confiança. Um percentual semelhante acredita que ele também não tem um temperamento adequado para ser presidente. Por que, então, essas pessoas votaram nele? Uma explicação é que, apesar desses defeitos, elas o preferiram a Hillary Clinton ou aos democratas de maneira geral. Dos eleitores de Trump, 72% justificam o seu voto com um motivo: "Ele pode trazer a mudança necessária". São sintomas da polarização partidária que vem aumentando nos EUA há vários anos. Um dado: 23% dos liberais e 30% dos conservadores admitem que veriam com maus olhos caso um familiar se casasse com uma pessoa que tivesse ideologia contrária a deles.

3. Trump superou o seu antecessor republicano em um grupo: o dos brancos sem curso superior. Em 2004 e 2008 os republicanos ganharam nesse setor com 20 pontos de diferença. Trump ganhou agora com quase 40 pontos. Neste texto do The New York Times, é possível vê-lo com clareza. Os brancos sem curso superior constituem um grupo numeroso –cerca de 34% de todos os norte-americanos--, e especialmente em estados decisivos: em Iowa, eles são 49% do total (Cook Political Report); em Wisconsin, 45%; em Ohio, 42%; e em Michigan, 37%

4. Trump conquistou eleitores pobres, mas não foi o mais votado entre eles. Ao contrário: o candidato republicano foi vitorioso entre as pessoas com renda mais alta (acima de 200.000 dólares), enquanto Clinton venceu entre as com renda mais baixa. Mas é verdade, também, que Trump diminuiu a distância, em termos de renda, entre republicanos e democratas. Não só em relação a Obama, mas também a John Kerry em 2004. A relação entre renda, raça, nível de formação e meio urbano e rural é muito complexa. Se Trump não ganhou entre as pessoas de renda mais baixa, é provavelmente porque as minorias raciais –sobretudo os negros—votam nos democratas. Mas Trump ganhou terreno entre os eleitores brancos com baixa formação e renda mais baixa.

5. Certamente houve eleitores de Obama que votaram em Trump em estados-chave. Os democratas "perderam essa eleição porque milhões de eleitores brancos da classe trabalhadora que votaram em Obama mudaram e optaram por Trump", dizia o analista eleitoral Nate Cohn esta semana. Em 30% dos 700 condados onde Obama ganhou em 2008 e 2012, a vitória, desta vez, coube a Trump. Vários desses condados pertencem a estados do meio oeste industrial, que acabaram sendo essenciais para a vitória de Trump no colégio eleitoral. São condados mais brancos, em sua população, do que a média, mas onde Obama se mostrou muito forte. Como explicação, Cohn assinala uma semelhança entre Obama e Trump: "Os dois se apresentaram como agentes de mudança, contra o establishment e os interesses corporativos".

6. Há muita coisa que ainda não sabemos sobre esta eleição. Os dados sobre o comparecimento do eleitorado às urnas ainda estão incompletos –na Califórnia, passados dez dias, os votos ainda estão sendo contados. Não é verdade que o número tenha caído muito nem, provavelmente, que Clinton  perdeu porque não mobilizou as minorias, os jovens ou as mulheres. Também não sabemos com clareza o peso que teve o voto dos "abandonados" ou dos "perdedores da globalização", e se esse elemento é realmente crucial para compreender essas eleições. Essa é uma das interrogações do nosso tempo: a relação entre expectativas, nostalgia, globalização e crise. Mas ela não é nada simples.

7. Cuidado com os relatos exagerados. O analista Nate Silver afirmou que muitas conclusões peremptórias têm sido tiradas nos últimos dias sobre a vitória de Trump: "A mensagem reacionária está no auge nos EUA", "os demônios do racismo e da misoginia estão de volta", "aumenta a divisão entre as elites das duas costas e o restante do país". Mas o resultado foi muito apertado. Hillary, na verdade, teve mais votos do que Trump. Se 1% dos eleitores tivesse votado diferente, Clinton teria ganho e as conclusões seriam bem diferentes. Estaríamos falando da primeira mulher a assumir a Casa Branca ou da punição dada pelos eleitores a um candidato como Trump.

Eu entendo esse argumento de Silver, mas retomo a questão inicial: Trump obteve os votos dos republicanos comuns. E esta é, para mim, a principal notícia destas eleições. Não é a de que que Trump conseguiu conquistar alguns poucos eleitores decisivos –os brancos sem ensino superior nos estados do alto meio oeste–, mas sim que ele tenha representado a melhor opção para a maior parte dos republicanos mesmo sendo o candidato que era: abandonado pelo seu partido, mais reacionário do que simplesmente conservador, desrespeitoso, para dizer o mínimo, das regras básicas da política e da decência.

Kiko Llaneras é professor de engenharia, especialista em análise de dados e editor do Politikon, projeto de acadêmicos da Espanha criado para promover debates e políticas baseados nos conhecimentos das ciências sociais

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