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Ocupações diminuem no Paraná, mas aumentam em escolas de outros Estados

Inspirados pelos estudantes do Chile, secundaristas cogitam protestar nas ruas contra mudanças na educação

Estudantes protestam no Núcleo Educacional de Curitiba nesta terça.
Estudantes protestam no Núcleo Educacional de Curitiba nesta terça. Albari Rosa (Gazeta do Povo/Folhapress)
Marina Rossi

Os pinguins chilenos saíram das margens do Oceano Pacífico e chegaram ao Atlântico no ano passado. Deixam rastros pelo Brasil até hoje. A Revolução dos Pinguins, como foi chamado o maior movimento estudantil da história de Santiago do Chile, completou uma década este ano, e serviu de inspiração para as mobilizações em São Paulo no ano passado contra a reorganização escolar. A bandeira da defesa da educação pública dos pinguins voltou a ser evocada neste ano entre os estudantes de vários pontos do país, com a chegada da PEC dos gastos públicos que impõe um teto de investimentos, e a reforma do Ensino Médio.

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A ocupação do Colégio Estadual Padre Jansen, em São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba, é um dos filhotes dos pinguins chilenos, que foram batizados assim por causa dos uniformes tradicionais das escolas daquele país: camisa branca com calça, ou jumper (vestido que se usa sobre uma camisa) cinza e preto, lembrando as vestes da escola de Harry Potter. "Fomos ao Encontro Nacional de Educação, em Brasília, e conhecemos lá um estudante chileno que contou como foi a Revolução dos Pinguins", conta Victória Pinton, 17, aluna do terceiro ano. A jovem foi 'contagiada' pelos pinguins. De volta ao Paraná, Victória e os colegas começaram a pensar em ocupar a escola por causa de um problema no fornecimento de merenda. "O problema acabou sendo resolvido, mas aí veio a medida provisória [que instituiu a Reforma do Ensino Médio], e decidimos ocupar".

Depois que a primeira escola foi ocupada, outras foram aderindo ao movimento. "Quando vimos que até os colégios rurais, que ficam a quilômetros de distância de onde os estudantes moram, foram ocupados também, pensamos: podemos ocupar todos", conta Victória. O movimentou não chegou a todos os colégios como ela queria, mas em quase metade. Há dez dias, 850 das 2.144 escolas estaduais de todo o Estado do Paraná estavam ocupadas, segundo os organizadores.

Mas nesta semana esse número caiu significativamente, para 256. Por outro lado, o movimento ganhou força em outros Estados. No Espírito Santo, subiu de cinco para 62 o número de escolas ocupadas na última semana. Em Minas Gerais, cresceu de 38 para 96. No Rio de Janeiro, três das 14 unidade do Colégio Pedro II estão ocupadas nesta semana.

O refluxo no Paraná, porém, não é generalizado. O colégio de Victória resiste. Nesta quinta-feira, a ocupação no Padre Jansen completa um mês, mais tempo do que duraram as ocupações em São Paulo, no ano passado. Naquela ocasião, os secundaristas paulistas, que disseram ter iniciado o movimento após assistir a um documentário sobre a Revolução dos Pinguins do Chile, começaram a perceber que só ocupar as escolas não estava surtindo efeito. Buscando barrar a reorganização escolar proposta pelo Governo Alckmin, decidiram ir para as ruas

As manifestações passaram, então, a adotar a técnica dos trancaços: fechavam cruzamentos importantes da cidade com cadeiras, travando o trânsito em horário de pico. A Polícia Militar reprimiu duramente esses atos, produzindo cenas que chocaram a população pela truculência empregada. A postura violenta dos PMs contra estudantes adolescentes acabou criando uma comoção entre os paulistanos, que começaram a apoiar o movimento. No dia em que o governador anunciou a suspensão da reorganização escolar, uma pesquisa do Datafolha revelava que 61% dos entrevistados eram contrários ao projeto. E que 55% apoiavam as ocupações.

Assim como ocorreu em São Paulo, ir para as ruas é a resposta que muitos secundaristas do Paraná deram à reportagem quando questionados sobre o próximo passo dessa mobilização que se espalhou por ao menos 19 Estados e o Distrito Federal. A adesão a esse tipo de manifestação pode inclusive ser maior, agregando os alunos que não concordam com a tática de ocupar. "Ocupar não é a melhor forma de protestar, temos que ir para a rua", disse Gabriela Assis, 18, aluna do terceiro ano do colégio Leôncio Correia em Curitiba, e integrante do movimento Desocupa. Ela participava de uma manifestação contra a ocupação do seu colégio, na semana passada. Kamila Cellarius, 18, aluna do 3º ano, concordava. "Tem que ir até a porta de quem resolve, seja o governador, o presidente, quem quer que seja", disse.

As regras das ocupações

Se no ano passado em São Paulo o Comando das Escolas em Luta era o coletivo autônomo dos estudantes, que deliberava as ações das ocupações contra a reorganização escolar, no Paraná, o Núcleo das Escolas Ocupadas cumpre esse papel. Em ambos os casos, os coletivos debatem algumas regras que podem ou não ser adotadas pelas escolas, já que cada colégio decide por si o que fazer. Mas algumas normas são comuns a todos os colégios ocupados: cartazes pelas paredes estipulam os horários de acordar, dormir e comer; os alimentos, doados pela comunidade, pais, professores e sindicatos, ficam em uma sala, separados por categoria (macarrão, farinha, arroz, biscoitos) ou data de validade; há uma caixa de primeiros socorros e com produtos de higiene, como absorventes. Lá dentro, os alunos se dividem em turnos para realizar a limpeza, fazer a comida e cuidar da segurança.

As cadeiras e mesas das salas de aula dão lugar aos colchões nos dormitórios. Nas escolas visitadas, todos eram divididos entre masculino e feminino. Algumas salas viraram cozinhas improvisadas. Os colégios também montam uma sala de reunião, colocando as cadeiras em forma de roda.

Além dos horários determinados para a rotina básica, a programação nas escolas pode variar bastante. Muitas realizam oficinas de diversos temas - fotografia, música, pintura - outras recebem voluntários que dão aulas de matemática, inglês, história.

A comunicação entre os jovens é feita principalmente por grupos no WhatsApp e, às vezes, no Telegram. Muitas das escolas montaram páginas no Facebook para reportar o cotidiano das ocupações. Normalmente um pai, mãe, irmão mais velho ou mesmo um professor passa a noite no colégio. Outro apoio externo que algumas escolas recebem vem dos estudantes universitários, como os da Universidade Federal do Paraná (UFPR), cuja reitoria está ocupada desde o último dia 24. "Estamos ocupando a reitoria para dar suporte aos secundaristas, por isso vamos às escolas para ajudá-los no que for preciso", disse Amanda Amaral, 19, estudante de História da UFPR, dentro do Colégio Estadual do Paraná.

Quem entra nas escolas ocupadas passa por uma espécie de revista, deixa o nome e o RG em uma lista com o horário de entrada e, posteriormente, o horário da saída. Para filmar e fotografar o interior das escolas é preciso pedir permissão.

Queda de braço

Por ora, os alunos recebem a solidariedade de alguns setores da sociedade, mas também têm ganhado a antipatia de outros. O doutor em filosofia do grupo Insper Fernando Schuller é um dos que se dizem que vão na contramão dos que apoiam. “Esta onda de ocupações de escolas é um exemplo do que o biólogo americano Garrett Hardin chamou de 'tragédia dos comuns'. É o mesmo fenômeno que leva à poluição dos oceanos e ao desmatamento da Amazônia. Alguém vai lá e toma conta do espaço público, jogando lixo ou cortando árvores para fazer madeira e deixa a conta para todo mundo pagar.”, escreveu ele em um artigo na revista Época, intitulado “E quem nos salva de Ana Julia?”, citando a jovem de Curitiba que virou hit nas redes sociais com o discurso a favor das ocupações.

Têm ainda de lidar com a pressão das autoridades e da Justiça que procuram forçar as desocupações com a imposição de multas, como aconteceu no Paraná e agora pode acontecer no Espírito Santo. Em comum, entre os estudantes, a ideia de chamar a atenção para a educação pública brasileira. Mas para o ministro da Educação, Mendonça Filho, muitos dos estudantes estão sendo usados por partidos e organizações. "Muitas vezes alguns jovens são utilizados por sindicatos e organizações como UBES [União Brasileira dos Estudantes Secundaristas], outras entidades e partidos políticos como o PT e o PSOL para levantar um debate com o Governo", afirmou ao jornal Valor.

Mendonça Filho também disse que a PEC 241 não vai cortar os investimentos na educação. "Quando se diz critica a PEC dizendo que afeta o investimento em educação e saúde, é falso", disse. "O orçamento de 2017 já enviado ao Congresso é de 139 bilhões de reais [ante aos 129 bilhões de 2016]. Estamos crescendo o orçamento em termos nominais e reais em relação ao que herdamos". O ministro, que afirmou ser contra a escola sem partido - projeto ao qual os estudantes também se opõem - disse que respeita os protestos, mas criticou a forma como eles estão sendo feitos. "É lamentável que um direito constitucional, de se expressar e protestar, que defendo e respeito, possa ser exercido passando por cima do direito dos outros, de ir e vir, um direito constitucional e elementar, e o direito à educação".

Sobre as críticas à Medida Provisória que institui a Reforma do Ensino Médio, Mendonça Filho afirmou que há muita desinformação. "Muitas pessoas criticam sem ter o conhecimento do longuíssimo debate sobre a reforma do Ensino Médio que o Brasil tem dedicado ao longo da história". Para ele, a maior crítica é ao fato de o Governo ter usado uma Medida Provisória para instituir a reforma e não as mudanças em si que são propostas no projeto.

No Chile, a reflexão dos estudantes que participaram dos atos dez anos atrás é que o movimento do qual participaram deixou um legado decisivo. "Hoje a educação é uma prioridade nacional e isso, sem dúvida, é mérito do movimento do qual participamos", disse um dos ex-líderes do movimento, Julio Isamit, ao jornal chileno La Tercera.

Já aqui no Brasil, o exercício de resistência aliado à expansão da onda de ocupações ainda não surtiu o efeito esperado, que é barrar a PEC 241 e a reforma do Ensino Médio. Com o fim do ano letivo se aproximando, os estudantes iniciarão uma corrida contra o relógio para que as mobilizações não terminem sem resultados. Faltam 48 dias para a primavera acabar. Resta saber se os pinguins resistirão ao verão brasileiro.

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