_
_
_
_
_

Hip hop em quíchua

O sucesso de Ricardo Flores, conhecido como Liberato Kani, impulsiona a defesa da língua indígena no Peru

Liberato Kani
Liberato KaniVictor Mallqui

Ricardo Flores, mais conhecido como Liberato Kani, descobriu o beatbox no terceiro ano do ensino médio em Lima e quando em 2013 terminou de gravar o primeiro álbum de rap com uma banda, um de seus companheiros, Jorge Luis, disse: “Por que você não faz um coro em quíchua?”. O pioneiro do hip hop andino no Peru conta que esse disco se esgotou rapidamente por causa dessa canção: “Fomos um boom em San Juan de Lurigancho”, diz sobre o maior distrito de Lima. Agora, como solista e com seu disco Rimay Pueblo (Voz Popular) viaja pelo Peru, canta no Grande Teatro Nacional, em universidades, televisões e festivais.

Mais informações
Café da manhã chinês na América Latina
Livro sobre a principal insurreição das Américas é sucesso nos EUA
Um festival gastronômico sem cozinheiros
Com o coração na boca

O artista tem 23 anos, estuda história na Universidade Nacional de Educação Enrique Guzmán y Valle, e no próximo domingo vai se apresentar pela segunda vez no Gran Teatro Nacional na peça Imagina Shakespeare. Este palco foi o motor de sua carreira em abril de 2015 como o ato de abertura de um concerto de duas bandas peruanas consolidadas: La Sarita e Uchpa, grupo de rock em quíchua. “Nesse evento eu chorei com os aplausos do público e pela minha mãe”, lembra.

Rimay Pueblo, com 14 faixas – 12 de sua autoria e dois do DJ Der Enyel Beats –, é dedicado à mãe, Teodora Carrasco Urpi, “a energia vital da minha arte”, diz em cada sessão de mistura de rap em quíchua e espanhol.

“Minha mãe morreu de câncer quando eu tinha nove anos. Viajamos à comunidade de Umamarca em Apurímac (serra sul) para passar seus últimos dias, e eu fiquei na puna (parte mais alta dos Andes) com a minha avó. Ela me ensinou quíchua, mas tinha pedido para me ensinar assim podia me defender porque os outros meninos me xingavam “, conta rindo.

Difusão viral

“Lá eu passei dois anos no colégio, parei de me vestir como em Lima porque queria ser parte do povo: usava poncho, chinelos e chapéu: aprendi a fazer trocas, aprendi as fábulas. Sei cultivar milho, pisar na lama para fazer adobe. Um dia ganhei um concurso de redação e como prêmio viajei para Andahuaylas: lá conheci a casa de José María Arguedas e descobri quem era ele”, diz.

Arguedas, antropólogo e escritor peruano nascido em Apurimac, mostrou e recriou o mundo andino em meados dos anos cinquenta do século passado, a partir de sua própria experiência de órfão mestiço de mãe e criado entre indígenas que falavam quíchua. “Se você conhece meu Arguedas, é a minha causa (amigo), meu brother, meu irmão. Se eu digo rap, você diz quíchua!; se eu disser rap, você diz vida!”, canta Liberato Kani arrancando vozes do público.

Arguedas, que em seu primeiro livro Agua retrata suas viagens pelos Andes e o atraso dos indígenas, também foi poeta e deixou gravada algumas de suas criações em voz. Liberato Kani mistura aquela voz potente em uma de suas composições. “O quíchua é resistência, irmão. São mais de 40 idiomas nativos no Peru, se a língua morre, a história morre”, comenta em uma apresentação em Miraflores. O single Kaykunapi (por esses lados) se tornou viral e graças ao número de votos que teve no Facebook, o cantor vai gravar no programa da televisão a cabo Jammin, onde novos talentos tocam para audiências ao vivo. Seu trabalho está tendo influência entre os jovens. “Era muito difícil motivar os meninos a se interessarem pelo quíchua, mas convidamos Liberato e meia Huancayo quis participar das oficinas de quíchua”, disse Paloma Abregu, porta-voz da casa cultural Saphichay na cidade mais comercial da serra central.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_